TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

191 acórdão n.º 41/17 A sobretaxa deveria ter conhecido o seu fim, segundo o legislador governamental, em 1 de janeiro de 2017. Porém, revelando um notável instinto de sobrevivência, ainda está entre nós. O «contexto particularmente aflitivo», referido no texto do Acórdão, consolida-se e eterniza-se, numa espécie de “aflição permanente”, pesem embora as promessas de um dia terminar. A patologia aguda tornou-se crónica, restando internar o doente – neste caso, a autonomia financeira das regiões autónomas –, enquanto se aguarda um medicamento milagroso. E a garantia da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da Lei Fundamental vai-se esfumando num horizonte nebuloso, que teima em fugir à nossa frente. – João Pedro Caupers. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Votei vencido por entender que a norma do n.º 14 do artigo 3.º da Lei n.º 159-D/2016, de 30 de dezembro, é contrária ao previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição. E é assim por- quanto “no contexto económico-financeiro subjacente ao lançamento da sobretaxa” para o ano de 2016, aquela norma comprime de forma desnecessária e desproporcionada a autonomia político-administrativa das regiões autónomas, na dimensão tributária. Isto pelas razões que, no essencial, pude adiantar em sede de memorando e que aqui retomo quase integralmente. Reconduzidas as coisas ao módulo problemático nuclear, sobra para mim claro que a sobretaxa lançada nos termos da Lei n.º 159-D/2015, de 30 de dezembro, se reportava a uma conjuntura significativamente distinta – para melhor – da realidade económico-financeira para que haviam sido projectadas as sobretaxas aplicadas nos anos de 2011, 2013, 2014 e 2015. Ao fim do PAEF e dos constrangimentos a ele associados, acrescia a melhoria generalizada dos dados económico-financeiros. Assistia-se, na verdade, a um desanuvia- mento generalizado e consolidado, que permitia antecipar e datar o fim do recurso à sobretaxa. Um desígnio que era mesmo erigido em “prioridade da política fiscal na XIII Legislatura”. Em definitivo, o legislador de dezembro de 2016 movia-se num cenário já claramente iluminado pela luz que entrava pelo fundo do túnel, que se antolhava já ali, ao alcance da mão. Não se trata de afirmar que a situação era já de normalidade financeira. A leitura não se esgota no código binário normalidade/crise. A realidade comporta muitas modalidades da crise, diferentes na extensão e na intensidade. Não se esquece que no horizonte continuava ainda a ameaça do procedimento por défice excessivo. De todo o modo, a crise subjacente ao lançamento da sobretaxa de 2016 é, a muitos – e decisivos – títulos, outra. Uma diferença que só pode ter como reverso uma ponderação diferente dos interesses e valores a levar à balança de ponderação. E por, vias disso, a sugerir conclusões distintas, vistas as coisas do lado das necessidade e proporcionalidade da compressão imposta aos valores e aos interesses associados à autonomia político-administrativa das regiões autónomas, na vertente tributária. 2.  Uma correta equacionação e superação dos problemas postula uma prévia clarificação do sentido e dos termos em que o Tribunal Constitucional vem admitindo que, ao arrepio da reserva regional das recei- tas tributárias cobradas ou geradas nas regiões autónomas, se podem criar impostos cujas receitas revertam integralmente para o Orçamento do Estado. A este propósito, um dado parece hoje pacífico: a Constituição não veda em absoluto a possibilidade de o Estado criar impostos cuja receita reverta inteiramente para o Orçamento do Estado. Um enunciado que, pese embora a sua aparente lineariedade, está longe de dilucidar de forma definitiva e fechada todos os problemas coenvolvidos, alguns por ele próprio desencadeados. E particularmente os problemas atinentes às caraterísticas ou exigências a que o tributo deve responder para poder reverter exclusivamente para o Orçamento do Estado sem consideração dos dipositivos constitucionais ou legais relativos às competências financeiras das regiões autónomas.

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