TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

193 acórdão n.º 41/17 o património dos contribuintes (efeito concretizado, por exemplo, em alterações em momentos como a matéria coletável, a taxa, as deduções, os benefícios fiscais, etc); outros que, para além disso, se projetam em perturbação do normal quadro político-institucional, particularmente no que concerne à relação entre a República e as regiões autónomas. E à distribuição entre elas das receitas recolhidas. 4. Vistas as coisas a esta luz, uma coisa parece manifesta: a diferença que separa entre si, de um lado, as razões de excecionalidade que ditaram a aplicação e a disciplina da sobretaxa sobre os rendimentos sujeitos a IRS nos anos de 2011, 2013, 2014 e 2015; de outro lado, as razões de excecionalidade em nome das quais se regulamenta a sobretaxa aplicável em 2016 (artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 159-D/2015, de 30 de dezembro). Não se questiona que, também aqui, possa fundada e pertinentemente falar-se em razão de exceciona- lidade e, nessa medida, de imposto extraordinário. O que não pode esquecer-se é a inultrapassável diferença que medeia entre as duas situações de excecionalidade em confronto. De forma sincopada: os inquestionáveis momentos de mesmidade subsistentes entre as duas situações não apagam nem neutralizam os irredutíveis momentos de diferenciação. A sobretaxa cobrada entre 2011 e 2015 (com exceção de 2012) foi imposta pela situação de “necessi- dade” decorrente do caráter drástico da crise económico-financeira que então se vivia e, particularmente, das obrigações internacionais assumidas pelo Estado português no contexto do PAEF e das exigências da Troika. Que não deixavam qualquer margem de manobra. E justificavam que a receita arrecadada naquelas circuns- tâncias com a sobretaxa revertesse por inteiro a favor do Orçamento do Estado. 5. São outros o ambiente e os condicionalismos exógenos e endógenos em que foi prevista e regulada a sobretaxa para o ano de 2016 (Lei n.º 159-D/2015, de 30 de dezembro). Marcante e decisiva, desde logo, a circunstância de o PAEF ter terminado em 2014. O que neutralizou uma das causas mais ponderosas do opressivo “estado de necessidade” que levou o Governo e o Parlamento a recorrer à sobretaxa nos anos de 2011, 2013, 2014 e 2015. Assistiuse, por outro lado, a uma atenuação da crise económico-financeira que vinha atingindo o País. O que permitiu que, logo em 2015 ao discutir o orçamento para 2016, o Primeiro-Ministro acreditasse “ser possível virar a página da austeridade”. A partir daqui a persistência ou não da sobretaxa poderia louvar-se de razões de política económico-financeira e de opções livremente assumidas pelo Governo. Isto é, opções que, sendo meridianamente legítimas, pouco ou nada têm que ver com as razões de excecionalidade que até ali vinham ditando o destino das receitas geradas pela sobretaxa. São, se quisermos, ainda devidas a razões de excecionalidade, mas de outra excecionalidade. Além do mais, por se tratar de uma excecionalidade desencadeada por variáveis em parte controláveis pelo Governo. Significativas a este propósito as considerações feitas pelo Governo na justificação do Projeto de Lei n.º 42/XIII/1.ª, que deu origem precisamente à Lei n.º 159-D/2015, de 30 de dezembro. E onde prevalece o propósito de responder à “necessidade de prevenir uma diminuição súbita e significativa da receita fiscal, comprometendo o financiamento das despesas a realizar durante o ano de 2016”. Um legítimo gesto de pru- dência e de prevenção face a um perigo mais ou menos consistente, que ficaria bem no pórtico de qualquer previsão orçamental. E que seria perfeitamente pertinente na abertura de qualquer ano financeiro, mesmo em anos de normalidade. Mas que pouco (ou nada) têm que ver com aquelas razões de excecionalidade vigentes ao tempo do cumprimento do PAEF, capazes de provocar e justificar um abalo no quadro político- -institucional do Estado. Concretamente, nas relações República/regiões autónomas. 6. A conclusão pela insubsistência de uma situação de excecionalidade reclamada como referente e suporte do regime de um imposto estabelecido em contravenção do comando constitucional que rege a repartição da receita entre a República e as regiões autónomas, acarreta naturalmente consigo a ausência da relação de causalidade/imputação entre a mesma situação de excecionalidade e aquele regime. E também

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