TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

196 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL justificando-se, por isso, a invocação do princípio da presunção de inocência. Acresce que a existência de uma medida (disciplinar) alternativa que permite a consideração das circunstâncias do caso con- creto – a suspensão preventiva – tornaria a suspensão automática desnecessária, daí resultando que o parâmetro constitucional cotejado tenha sido o princípio da presunção da inocência conjugado com o princípio da proporcionalidade. Na verdade, a suspensão de funções em análise, caso revestisse um caráter essencialmente disciplinar, seria redundante e, como tal, dispensável face à possibilidade legal- mente prevista da suspensão preventiva no quadro do procedimento disciplinar. V – Contudo, não é esse o sentido fundamental da medida em causa. A disciplina releva da boa ordenação interna de um serviço ou organização, garantindo a respetiva funcionalidade, em ordem ao cumpri- mento das tarefas que lhe são cometidas, sendo para esse efeito impostos aos seus agentes os deveres funcionais, de caráter geral e especial, considerados essenciais para que tal cumprimento seja possível; perturbada a funcionalidade do serviço em consequência de uma infração disciplinar, há que restabe- lecê-la, adotando para o efeito as medidas disciplinares convenientes dentro do quadro legal aplicável. Na verdade, desde sempre se entendeu estar em causa a defesa do prestígio dos serviços públicos, ou seja, uma realidade voltada para o exterior, nomeadamente para o público destinatário da atuação desses mesmos serviços. VI – As missões específicas da PSP, seja no tocante à segurança pública, seja enquanto força auxiliar no domínio da justiça criminal, justificam que a mesma se encontre investida de competências relaciona- das com o uso da força; daí a preocupação legal em frisar bases de disciplina que criem na comunidade confiança quanto à sua atuação, sendo a esta luz que se compreende a gravidade objetiva da acusação formal da prática de crimes graves dirigida a um membro da corporação (policial), sendo tal gravida- de naturalmente acrescida se, uma vez requerida a abertura de instrução, um juiz vier a pronunciar o membro em causa pelos factos que lhe são imputados; ou, confrontado com a possibilidade de se defender da acusação perante o juiz de instrução, o arguido agente da PSP opta por não o fazer, dei- xando que o presidente do tribunal de julgamento, por não considerar manifestamente infundada a acusação, marque o julgamento. VII – O trânsito em julgado do despacho de pronúncia ou equivalente referente à prática de crimes graves por parte de um agente da PSP é uma situação que, em si mesma e objetivamente, pode razoavelmente comprometer a confiança da comunidade na ação desenvolvida por aquela força policial, designada- mente quanto ao desempenho das suas funções pautado por critérios de imparcialidade, isenção e objetividade. A suspensão de funções até à decisão penal absolutória, ainda que não transitada, ou até à decisão final condenatória visa preservar a «defesa do prestígio do serviço», na medida em que este é considerado essencial para que a comunidade não perca a confiança na imparcialidade e isenção da atuação do mesmo serviço, podendo continuar a considerar todos e cada um dos seus membros como um exemplo de respeito pela legalidade democrática. VIII– Este é um fim constitucionalmente legítimo, porque diretamente conexionado com as funções especí- ficas da polícia (em sentido material e institucional) de defender a legalidade democrática e de garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos. Por outro lado, trata-se de um fim significativamente diferente daquele que é prosseguido pela suspensão disciplinar prevista no artigo 74.º, n.º 1, alínea c) , do RDPSP, a saber: a preservação da capacidade e eficácia do serviço de polícia numa perspetiva essencialmente operacional e funcional da própria corporação, sendo apenas à luz daquele fim cons- titucionalmente legítimo – estranho às preocupações de ordem estritamente interna e disciplinar da

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