TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

20 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ou seja, a matéria da definição de ilícitos de natureza criminal está, sem qualquer margem para dúvidas, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, pelo que a legislação que a ela respeite insere-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, estando excluída da competência legislativa das regiões autónomas.  É verdade que a alínea b) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição, permite à Assembleia da República, em algumas matérias da sua competência de reserva relativa, autorizar as regiões autónomas a legislar sobre elas. Porém, as matérias referidas no artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição encontram-se excluídas dessa possibilidade, pelo que nem sequer seriam suscetíveis de autorização legislativa às regiões autónomas. Assim sendo, não restam dúvidas de que a norma constante do artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A, de 9 de julho está ferida de inconstitucionalidade, uma vez que a intervenção legislativa da Assem- bleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores se encontra desprovida de fundamento constitucional. E nem se invoque o eventual carácter não inovatório da norma contra este juízo de inconstitucionalidade.  Subjacente a esta invocação parece estar a tentativa de transposição da jurisprudência deste Tribunal relativa às relações entre a Assembleia da República e o Governo para o caso sub judice , o que, diga-se, desde já, não faz qualquer sentido.  É verdade que o Tribunal Constitucional já disse inúmeras vezes que a falta de lei de autorização legislativa, em matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, não obsta a que o Governo possa legislar, desde que a normação adoptada não se revista de conteúdo inovatório face à anteriormente vigente. O que importa é que se demonstre que as normas em causa não criaram um regime jurídico materialmente diverso daquele que até essa nova normação vigorava, limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão de soberania competente (ver os Acórdãos n. os 502/97, 589/99, 377/02, 414/02, 450/02, 416/03, 340/05 e 114/08, de 20 de fevereiro de 2008, estes tirados em Secção e publicados no Diário da República , II Série, de 4 de novembro de 1998, de 20 de março de 2000, de 14 de fevereiro de 2002, de 17 de dezembro de 2002, de 12 de dezembro de 2002, de 6 de abril de 2004, de 29 de julho de 2005 e de 10 de abril de 2008, bem como o Acórdão n.º 123/04 (Plenário) publicado no Diário da República , I Série-A, de 30 de março de 2004). Mas esta jurisprudência aplica-se nas relações entre a Assembleia da República e o Governo – que são ambos órgãos de soberania – não fazendo sentido deslocá-la para as relações em que, de um lado, está a República e, do outro, as regiões autónomas (as quais apenas detém autonomia político-administrativa e não soberania).  Ao contrário do que sucede entre a lei e o decreto-lei, que têm igual valor (artigo 112.º, n.º 2, da CRP), os decretos legislativos regionais situam-se num outro plano, pelo que a apropriação da lei da República pela legisla- ção regional conduziria à sua desnaturação. Além disso, o artigo 228.º, n.º 2, da CRP, ao estabelecer que, “na falta de legislação regional própria sobre matéria não reservada à competência dos órgãos de soberania, aplicam-se nas regiões autónomas as normas legais em vigor”, consagra o princípio da prioridade da legislação regional, com a consequente subsidiariedade da legisla- ção nacional. Ora, se se admitisse a apropriação da legislação nacional pela legislação regional, isso poria em causa estes princípios. Embora num contexto diferente (não transponível para a atualidade), este Tribunal respondeu negativamente à questão de saber se deve ser consentida ao legislador regional a possibilidade de confirmar a aplicação numa região autónoma de preceitos constantes de leis da República, limitando-se a reproduzir os seus comandos em actos regio- nais, como que transformando a legislação nacional (aí já vigente) em legislação regional. O Tribunal salientou, no Acórdão n.º 246/90, na esteira do já afirmado pelo Acórdão n.º 333/86, que “quando um diploma regional se limita a reproduzir (…) as normas constantes de uma lei geral da república, tal diploma é inconstitucional. E é-o porque ele não representa o exercício do poder normativo regional (…) Tal diploma mais não faz, na verdade, do que “apropriar” a legislação nacional e, “transformá-la” em legislação regional. Apesar das modificações que o texto constitucional, entretanto, sofreu, esta jurisprudência continua a ter sentido. Carecendo o legislador regional de poderes de criação de ilícitos penais, o artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A é inconstitucional por dispor sobre matéria constitucionalmente reservada à Assembleia da República,

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