TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

202 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL princípio da presunção de inocência que se encontra constitucionalmente garantido até à sentença definitiva, pois que é aplicada com o exclusivo fundamento numa presunção de culpabilidade» (n.º 3); –   «[A] própria norma do artigo 38.º, n.º 1, do [RDPSP] prevê o dever de comunicação do despacho de pronúncia à entidade com competência disciplinar, que poderá com base nos mesmos factos instaurar procedimento discipli- nar, e, nesse âmbito, instituir a medida cautelar de suspensão preventiva do arguido sempre que a sua manutenção em funções seja inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade (artigo 74.º, n.º 1) […] Nada justifica, por conseguinte, mesmo à luz do princípio da proporcionalidade (numa dimensão da necessidade), que, em benefício dos interesses funcionais dos serviços, se verifique a suspensão do exercício de funções por efeito de um ato processual penal, quando está na disponibilidade da Administração, independentemente da prossecução do processo penal e da decisão final que nele venha a ser proferida, decretar uma medida cautelar instrumental de idêntico alcance e pela qual é possível atingir as mesmas finalidades de prevenção geral» (n.º 3). 8. Na verdade, a suspensão de funções em análise, caso revestisse um caráter essencialmente disciplinar, seria redundante e, como tal, dispensável face à possibilidade legalmente prevista da suspensão preventiva no quadro do procedimento disciplinar [cfr. o artigo 74.º, n.º 1, alínea c) , do RDPSP]. Contudo, não é esse o sentido fundamental da medida em causa. A disciplina releva da boa ordenação interna de um serviço ou organização, garantindo a respetiva fun- cionalidade, em ordem ao cumprimento das tarefas que lhe são cometidas. Para o efeito, são impostos aos seus agentes os deveres funcionais, de caráter geral e especial, considerados essenciais para que tal cumprimento seja possível [cfr., por todos, Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo , 10.ª edição, 3.ª reimpr., Almedina, Coimbra, 1990, pp. 799 e 800; e Paulo Veiga Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, artigo 3.º, nota 1, pp. 28 e 29]. «A dis- ciplina é o rigor, são as exigências comportamentais que uma organização impõe aos que a integram ou que nela prestam trabalho, encontrando o seu fundamento no próprio desempenho dos serviços públicos, isto é, na necessidade de assegurar o seu bom funcionamento e a sua continuidade» (assim, Luíz Lopez Navarro cit. apud Paulo Veiga Moura, ob. cit. , ibidem ). Por isso, e como bem se refere no Acórdão n.º 273/16 – ainda que tal consideração seja válida para qualquer medida disciplinar –, o objetivo prosseguido é a «preservação da capacidade e eficácia do serviço» (n.º 12.2) ou a «preservação da capacidade funcional do serviço» (n.º 12.3): perturbada a funcionalidade do serviço em consequência de uma infração disciplinar, há que restabelecê-la, adotando para o efeito as medidas disciplinares convenientes dentro do quadro legal aplicável. De resto, tal finalidade – relevante para aferir de uma eventual violação do princípio da proporcionali- dade – torna inteligível a redução drástica (e típica) do prazo normal de prescrição do procedimento discipli- nar nos casos em que, sendo conhecida a falta disciplinar pela entidade com competência disciplinar, esta não instaure o devido procedimento no prazo de três meses (cfr. o artigo 55.º, n.º 3, do RDPSP, por confronto com os três ou mais anos previstos nos n. os 1 e 2 do mesmo preceito). Acresce que, como já fora afirmado no Acórdão n.º 439/87 e no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 126/90 e resulta das diferentes opiniões doutrinais recenseadas no n.º 9.2 do Acórdão n.º 273/16, esse nunca foi o fim atribuído à suspensão de funções correspondente à previsão do artigo 38.º, n.º 1, do RDPSP; pelo contrário, desde sempre se entendeu estar em causa algo de diferente e conexionado com a defesa do prestígio dos serviços públicos, ou seja, uma realidade situada num plano diverso e voltada para o exterior, nomeadamente para o público destinatário da atuação desses mesmos serviços. 9. Com efeito, e procedendo desde já a uma interpretação atualista e focada na PSP da citada ideia de “prestígio” – abstraindo, portanto, da discussão sobre a evolução do próprio conceito de função pública e da tendencial laboralização dos vínculos jurídicos correspondentes à relação de serviço ou fundamental (por contraposição à relação orgânica ou de funcionamento) –, cumpre recordar as missões específicas daquela força policial seja no tocante à segurança pública, seja enquanto força auxiliar no domínio da justiça crimi- nal, justificativas de que a mesma se encontre investida de competências relacionadas com o uso da força. Daí

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