TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

203 acórdão n.º 194/17 a preocupação legal em frisar bases de disciplina que criem na comunidade confiança quanto à sua atuação: o pessoal da PSP deve constituir exemplo de respeito pela legalidade democrática, pelo que tem como dever geral reforçar na comunidade a confiança na ação desenvolvida pela corporação, em especial no que concerne à sua imparcialidade (vide, respetivamente artigos 5.º, n.º 2, e 7.º, n.º 1, ambos do RDPSP). É a esta luz que se compreende a gravidade objetiva da acusação formal da prática de crimes graves diri- gida a um membro da corporação (policial), isto é, a afirmação pelo órgão que, em nome da citada comuni- dade, tem por missão defender a legalidade – o Ministério Público – de que existem indícios suficientes de que tal membro perpetrou um crime, resultando de tais indícios “uma possibilidade razoável de [lhe] vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança” (cfr. o artigo 283.º, n. os 1 e 2, do Código de Processo Penal). «Tal gravidade é naturalmente acrescida se, uma vez requerida a abertura de instrução, um juiz vier a pronunciar o membro em causa pelos factos que lhe são imputados (artigo 308.º, n.º 1, do mesmo Código); ou, confrontado com a possibilidade de se defender da acusação perante o juiz de instrução, o arguido agente da PSP opta por não o fazer, deixando que o presidente do tribunal de jul- gamento, por não considerar manifestamente infundada a acusação, marque o julgamento, designando dia, hora e local para a audiência (cfr. os artigos 311.º, 312.º, n.º 1, e 313.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal; tal despacho corresponde ao «despacho equivalente» mencionado no artigo 38.º, n.º 1, do RDPSP)». Na verdade, o trânsito em julgado do despacho de pronúncia ou equivalente referente à prática de crimes graves por parte de um agente da PSP é uma situação que, em si mesma e objetivamente, pode razoavelmente comprometer a confiança da comunidade na ação desenvolvida por aquela força policial, designadamente quanto ao desempenho das suas funções pautado por critérios de imparcialidade, isenção e objetividade. Trata- -se de condição suficiente para pôr em causa a imparcialidade da corporação ao lidar com os seus próprios membros. Na comunidade pode – e na ótica do legislador é isso mesmo que sucede – suscitar-se uma dúvida pertinente sobre o exercício da autoridade no seu seio: fará sentido entregar armas para defender a segurança da comunidade, em especial contra crimes graves, a quem a comunidade acusa de praticar esses mesmos crimes? Segundo a perspetiva do legislador do RDPSP, é neste quadro que se deve interpretar a solução consa- grada no seu artigo 38.º, n.º 1: a suspensão de funções até à decisão penal absolutória, ainda que não transi- tada, ou até à decisão final condenatória visa preservar a «defesa do prestígio do serviço», na medida em que este é considerado essencial para que a comunidade não perca a confiança na imparcialidade e isenção da atuação do mesmo serviço, podendo continuar a considerar todos e cada um dos seus membros como um exemplo de respeito pela legalidade democrática (cfr. o artigo 5.º, n.º 2, do RDPSP). Nessa mesma perspe- tiva, só assim será possível “reforçar na comunidade a confiança na ação desenvolvida pela corporação, em especial no que concerne à sua imparcialidade” (cfr. o artigo 7.º, n.º 1, do RDPSP). Este é um fim constitucionalmente legítimo, porque diretamente conexionado com as funções espe- cíficas da polícia (em sentido material e institucional) de defender a legalidade democrática e de garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos (artigo 272.º, n.º 1, da Constituição). Trata-se, por outro lado, de um fim significativamente diferente daquele que é prosseguido pela sus- pensão disciplinar prevista no artigo 74.º, n.º 1, alínea c) , do RDPSP, a saber: a preservação da capacidade e eficácia do serviço de polícia numa perspetiva essencialmente operacional e funcional da própria corporação. E é apenas à luz daquele fim constitucionalmente legítimo – estranho, como referido, às preocupações de ordem estritamente interna e disciplinar da PSP – que a proporcionalidade da suspensão de funções prevista no artigo 38.º, n.º 1, do RDPSP pode e deve ser avaliada. Neste contexto, não se justifica falar nem de «medida cautelar disciplinar» nem, tão-pouco, de uma sua alegada «conversão em sanção autónoma» (Acórdão n.º 273/16). O cotejo com o parâmetro da presunção de inocência afigura-se, por isso, deslocado. 10. No controlo da proibição do excesso, tem o Tribunal Constitucional seguido na análise da relação entre um meio e o respetivo fim (princípio da proporcionalidade em sentido amplo) uma metódica de apli- cação assente num triplo teste, tal como sintetizado no Acórdão n.º 634/93. Existe violação do princípio da

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