TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

204 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL proporcionalidade se a medida em análise for considerada inadequada (convicção clara de que a medida é, em si mesma, inócua, indiferente ou até negativa, relativamente ao fim visado); ou desnecessária (convic- ção clara da existência de meios adequados alternativos, mas menos onerosos para alcançar o dito fim); ou desproporcionada (convicção de que o ganho de interesse público inerente ao fim visado não justifica nem compensa a carga coativa imposta; relação desequilibrada entre os custos e os benefícios da medida). 10.1. No tocante ao teste de adequação, o que se diz no ponto 12.1 do Acórdão n.º 273/16 é inteiramente transponível, porventura até com mais propriedade, relativamente a uma medida como a que se encontra pre- vista no artigo 38.º, n.º 1, do RDPSP, perspetivada como um meio ordenado à defesa do prestígio da PSP e da restauração da confiança da comunidade na sua atuação: a «suspensão de funções constitui instrumento idóneo a impedir que a suspeita gerada quanto ao respeito pelos bens jurídico-penais por parte de quem é nomeado como protetor armado desses mesmos valores sociais possa atingir gravemente o prestígio e, inerentemente, a confiança que a comunidade deposita na atuação policial, sem a qual não existe verdadeira segurança interna». 10.2. Nos Acórdãos n. os 62/16, 107/16 e 273/16, entendeu-se que a suspensão preventiva do artigo 74.º, n.º 1, alínea c) , do RDPSP substitui, com vantagem por causa da possibilidade de “ponderação cir- cunstanciada”, a suspensão de funções do artigo 38.º, n.º 1, do mesmo normativo. Contudo, tal asserção desconsidera a finalidade específica desta última suspensão, que não se reconduz – ou não se pode reconduzir apenas – ao “benefício dos interesses funcionais dos serviços”. Como anteriormente referido, o sentido e alcance das duas medidas não é de todo em todo idêntico nem as finalidades prosseguidas por cada uma delas são as mesmas. Aliás, a garantia de imparcialidade da corporação, que é um pressuposto da confiança da comunidade na atuação daquela, só é efetivada, na ótica do legislador, desde que, após a pronúncia ou o recebimento da acusação de crime grave praticado por um agente, a suspen- são deste não fique na disponibilidade da própria corporação. Ou seja, a invocada vantagem – a «ponderação de um juízo de necessidade no contexto do caso concreto» (Acórdão n.º 62/16) – resulta de uma possibilidade que é inadequada ao fim específico prosseguido pela medida prevista no artigo 38.º, n.º 1, do RDPSP. Como se restaura a confiança da comunidade prosseguida pelo legislador se a corporação ponderar que afinal, dadas as circunstâncias, a manutenção em funções do arguido não é inconveniente para o serviço? Justamente, a suspensão preventiva disciplinar, por estar na disponibilidade da própria corporação interessada, não constitui um mecanismo alternativo em vista dos fins visados pelo legislador com a suspensão de funções do artigo 38.º, n.º 1, do RDPSP: garantir a imparcialidade da PSP, indispensável à confiança da comunidade na sua ação. Acresce que a mesma suspensão preventiva tem uma duração limitada: 90 dias, prorrogáveis por igual período (artigo 74.º, n.º 6, do RDPSP). Por mais grave que seja a acusação criminal, e por mais fortes que sejam os indícios da prática de um crime, o arguido, no fim de tal período, é obrigatoriamente reintegrado no serviço. Por outro lado, a suspensão de funções determinada em consequência do artigo 38.º, n.º 1, do RDPSP convive perfeitamente com a autonomia do procedimento disciplinar, que, consoante a decisão da entidade competente, pode suspendê-lo, até que se conclua o processo penal pendente (artigo 37.º, n.º 3, do RDPSP) ou decidi-lo sem aguardar o desfecho do processo penal (cfr. os artigos 37.º, n.º 2, e 39.º, n.º 3, do mesmo normativo). Mais: a própria absolvição no processo penal, ainda que não transitada, faz cessar a situação de desconfiança constituída por via da acusação formal, com a consequente cessação da suspensão de funções (vide o citado artigo 38.º, n.º 1). Poderá haver meios adequados alternativos à preservação da confiança da comunidade na imparciali- dade da atuação da polícia-instituição quando um dos seus agentes seja formalmente acusado da prática de crimes graves. «Porém, não se comprova que a suspensão preventiva prevista no artigo 74.º, n.º 1, alínea c) , do RDPSP seja um desses meios nem se mostra apontado qualquer outro». Tal é suficiente para que não se forme uma convicção clara quanto à existência de meios adequados alternativos, mas menos onerosos, para alcançar o fim visado pela suspensão de funções do artigo 38.º, n.º 1, do mesmo normativo e, desse modo, para que tal medida passe o teste da necessidade.

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