TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

218 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 1.4.1. A recorrente motivou o recurso, culminando as alegações com as seguintes conclusões: “[…] 1.ª – As instâncias recorridas decidiram tirar os filhos à recorrente, aplicando a duas das crianças a medida de confiança com vista à futura adoção, por a recorrente já não ter disponibilidade para receber os filhos depois de haver perdido os apoios sociais e a habitação social com a retirada dos mesmos filhos. Não poderia ser mais kafkiano primeiro tirar as crianças à mãe contra a vontade desta, em seguida retirar-lhe os apoios e a habitação social por já não ter as crianças a seu cargo e por último encaminhar duas dessas crianças para adoção por a mãe já não ter disponibilidade para as receber. 2.ª – O caso da recorrente tem muitíssimo menos gravidade do que o caso em que estava acusada H. para lhe serem retirados os filhos, mesmo assim o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou as instâncias portugueses por desrespeito aos direitos humanos em acórdão Soares de Melo c. Portugal, de 16 de fevereiro de 2016, Queixa n.º 72850/14. 3.ª – Para o Prof. Vital Moreira “o recurso de constitucionalidade em fiscalização concreta cumpre algumas das funções do recurso de amparo e mecanismos semelhantes” e para o Prof. Blanco de Morais dentro do juízo de inconstitucionalidade da interpretação concreta “cabem também as normas não expressamente invocadas na motivação da decisão judicial, mas que, implicitamente, foram pressupostas daquela decisão”. O controlo concreto e sucessivo do Tribunal Constitucional não se deverá restringir à violação em abstrato da Constituição pelas nor- mas aplicadas mas conhecer das interpretações de normas feitas no caso pelas instâncias recorridas quando foram suscitadas as suas inconstitucionalidades por quem recorre. 4.ª – [Nos termos do] artigo 105.º, n.º 1, da LPCJP compete ao Ministério Público a iniciativa das medidas de proteção. Ora, no caso concreto em sede de alegações orais e finais, o Ministério Público promoveu a adoção forçosamente conjunta dos dois irmãos, tendo o tribunal decidido que essa adoção poderia ser separada. É inegável que esta norma foi aplicada porque foi suscitada a sua discussão pela recorrente e a interpretação que foi feita é que essa norma não impede uma decisão para além do que o Ministério Público promove nas suas alegações orais finais quanto à rutura dos vínculos familiares. A norma assim interpretada viola os artigos 3.º, 20.º, n.º 4, in fine , e 36.º, n.º 6, in fine , da Constituição da República Portuguesa, que impõem um processo justo com proibição do excesso e proibição de decisões surpresa numa matéria tão sensível como a retirada de filhos aos pais. 5.ª – Foi suscitada a inconstitucionalidade do artigo 1978.º do Código Civil quando interpretado no sentido de mantendo-se o afeto entre mãe e filhos estes lhe serem retirados para a adoção só por a mãe não ter condições para cuidar deles convenientemente, por violar o artigo 36.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa. Aquela norma não podia deixar de ser aplicada pelas instâncias recorridas porque é a única civilmente a autorizar a tomada de medidas de confiança com vista à futura adoção. A interpretação dessa norma não foi outra, porque os afetos estão provados nos autos e a falta de condições da mãe para deles cuidar também, sendo a falta de dis- ponibilidade da mãe para os receber resultante, tal como está provado, de ter perdido a habitação social ao perder os apoios sociais que tinha por ter consigo os seus filhos. Tal norma civil assim interpretada viola os princípios da culpa e da indissolubilidade da família presentes no n.º 6 do artigo 36.º da Constituição. 6.ª – Foi aplicado o artigo 1887.º-A do Código Civil com a interpretação de que só os pais estão obrigados a manter o convívio entre irmãos, podendo o Estado separá-los pela adoção. A norma foi chamada ao processo pela recorrente para impedir a separação dos filhos entre si, todavia a instância recorrida entendeu que a adoção per- mite a separação num superior interesse dos menores. Assim interpretada a norma viola o princípio da igualdade estabelecido no artigo 13.º da Constituição, não podendo o Estado impor regras aos cidadãos para depois as suas instituições não as cumprirem com base num alegado superior interesse. 7.ª – É indiscutível que, se as normas acima referidas não fossem interpretadas da forma inconstitucional como foram, o desfecho da causa teria sido diferente, havendo o maior interesse na sua fiscalização de inconstituciona- lidade. Se o Tribunal Constitucional não exercer controlo sobre a interpretação que os tribunais comuns fazem das normas, estas sucessivamente irão colidir com a Constituição nas suas mais diversas interpretações. Mesmo na

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