TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

219 acórdão n.º 62/17 fiscalização preventiva, o Tribunal Constitucional só pode declarar a inconstitucionalidade das normas depois de as interpretar e ponderar os efeitos dessa interpretação para os bens constitucionais. 8.ª – É inconstitucional o artigo 104.º da LPCJP com a interpretação de que o contraditório se mostra cum- prido com a possibilidade de consulta dos autos sem necessidade de notificação prévia e pessoal dos documentos que serviram de prova aos factos da decisão que aplica uma medida de confiança com vista à futura adoção, por violar o princípio do contraditório, em favor dos pais, nos artigos 3.º, 20.º, n.º 4, in fine , e 36.º, n.º 6, in fine , da Constituição da República Portuguesa. 9.ª – O entendimento de que nos processos de promoção e proteção não há necessidade de notificar previa- mente os documentos para as partes se pronunciarem e que esses documentos sem contraditório podem servir de fundamento às decisões judiciais é típico dum Estado totalitário para quem as provas produzidas pelas instituições públicas são inatacáveis. 10.ª – Havendo entre esses documentos não notificados um relatório pericial que manifesta a vontade das crianças em permanecer com a sua mãe, o qual passa mencionado por remissão como um mero número, percebe- -se a falta dum processo justo cuja tramitação não deu garantias de cumprir o direito constitucional das crianças a decidir o seu futuro. 11.ª – A exclusão de contactos das crianças com os seus familiares decretada pelos tribunais, se não for tempo- rária, depende da vontade das crianças, não sendo conforme à Constituição que as crianças não tenham liberdade de escolha e que os tribunais olhem as crianças como objeto das suas decisões, não respeitando assim os seus direi- tos de personalidade. 12.ª – Um Estado onde os tribunais decidem o futuro das crianças para futura adoção contra a sua vontade em permanecer com a sua mãe é um Estado totalitário, sendo que a adoção implica um corte definitivo entre mãe e filhos. 13.ª – O pensamento judicial de que as crianças não têm consciência do melhor para o seu futuro, que não seja alicerçado num processo formalmente próprio e adequado a respeitar a vontade dessas crianças e a demons- trar – com certezas e não com presunções – um risco sério para o seu desenvolvimento em manter os contactos desejados pelas próprias crianças, é um pensamento que sobrepõe a vontade dos organismos do Estado à vontade dos indivíduos e que sobrepõe a economicidade para o Estado de entregar essas crianças a famílias adotivas em vez de apoiar social e financeiramente a família natural para onde desejam regressar as crianças. Um tal pensamento só é compatível com as piores descrições de George Orwell ou Franz Kafka, ou seja, com um Estado totalitário. 14.ª – O direito ao recurso, consagrado constitucionalmente, tem expressão legal no prazo que é dado ao advogado para examinar o processo no seu escritório, sem o qual não poderá detetar nem arguir os respetivos vícios e ilegalidades durante as suas alegações. O direito de exame do processo como decorrência legal do direito consti- tucional de recurso está previsto na parte final do n.º 9 do artigo 638.º e no artigo 167.º do Código de Processo Civil. O artigo 16.º da Constituição estabelece que os direitos fundamentais escritos na Constituição não excluem outros constantes das leis e assim terão de ser conformemente interpretados. 15.ª – É inconstitucional o n.º 3 do artigo 88.º da LPCJP quando interpretado no sentido de os advogados dos pais não terem a igualdade de armas do Ministério Público para exame no seu gabinete de todo o processo em período de alegações de recurso, por violação da parte final do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição. 16.ª – Não se vislumbra que, durante a fase de recurso , os processos de promoção e proteção tenham direitos diminuídos para os recorrentes em relação ao Ministério Público, não sendo a mera consulta – de pé e ao balcão de atendimento ao público – dum processo de milhares de páginas suficiente para cumprir o direito constitucional ao recurso, ainda mais quando a gravidade dos interesses em discussão não poderia ser maior como se recorre duma decisão que retira definitivamente filhos a uma mãe. 17.ª – Embora os processos de promoção e proteção tenham caráter reservado para defesa dos próprios meno- res, esse caráter reservado não será motivo para impedir os advogados dos recorrentes de examinar o processo à confiança quando o podem consultar na própria secretaria. Se podem tomar conhecimento integral do processo ao balcão da secretaria não se percebe que não o possam examinar com mais prudência no seu escritório.

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