TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

229 acórdão n.º 62/17 Afigura-se por demais evidente que a fundamentação transcrita não corresponde à formulação linear de que, mantendo-se o afeto entre mãe e filhos, estes lhe foram retirados para a adoção unicamente por a mãe não ter condições para cuidar deles convenientemente. A recorrente procura sustentar a viabilidade do recurso com o argumento de que “[…] o artigo 1978.º do Código Civil é a única norma civilística que permitiria ao tribunal a quo retirar as crianças à mãe para as confiar a uma instituição com vista à adoção […]” e, assim, “[s]e a decisão recorrida fez precisamente o que essa norma civilística permite – e que mais nenhuma outra norma do Código Civil permite – não podem restar dúvidas de ser um fundamento legal da decisão porque se não o fosse a decisão não teria qualquer estatuição legal”. Ora, não se põe em causa que a decisão recorrida aplicou o disposto no artigo 1978.º do Código Civil. Sucede, porém, que não aplicou tal norma com o preciso o sentido que a recorrente enunciou. Este não correspondeu, pois – e sempre excluiria a admissibilidade do recurso –, ao critério operante no acórdão do Tribunal da Relação do Porto. Como tal, não se conhecerá do objeto do recurso relativamente à invocada inconstitucionalidade do artigo 1978.º do Código Civil. 2.2.3. Pretende, ainda, a recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade “[…] do artigo 1887.º-A do Código Civil com a interpretação de que só os pais estão obrigados a manter o convívio entre irmãos, podendo o Estado separá-los pela adoção”. Recupera-se, uma vez mais, o fundamento da decisão recorrida, no que àquela questão diz respeito: “[…] Também se entende não se verificar a alegada inconstitucionalidade do artigo 1887.º-A do C. Civil, na ‘inter- pretação de que só os pais estão obrigados a manter o convívio entre irmãos, podendo o Estado separa-los pela adoção – por violação do princípio da igualdade estabelecido no artigo 13.º da Constituição’. Trata-se, antes, de uma situação em que, não sendo possível encontrar a mesma solução para todos os irmãos, tal não deve impedir que se encontre a melhor para alguns: o seu superior interesse justifica-o. […]” (itálico acrescentado). Este segmento da fundamentação, em conjunto com o transcrito no item anterior, permite concluir que o sentido da decisão não foi o de que “só os pais estão obrigados a manter o convívio entre irmãos, podendo o Estado separá-los pela adoção”. A recorrente pretende transformar a sua adjetivação depreciativa da decisão do Tribunal na própria decisão, construindo uma falácia argumentativa. Tal sentido – o que a recorrente indica – implicaria, desde logo, que a decisão recorrida tivesse operado, explícita ou implicitamente, um qualquer tipo de equiparação, efetiva ou hipotética, entre as obrigações dos progenitores e as do Estado quanto ao convívio das crianças, o que em lado algum se encontra. Sem prejuízo dessa desconformidade, o que relevou para o Tribunal da Relação do Porto não foi, simplesmente e sem mais, a possibilidade de separação dos irmãos, mas sim essa possibilidade se não for possível encontrar uma solução para todos, sempre com respeito pelo seu superior interesse. Conclui-se, pois, que a enunciação simplificada que a recorrente apresenta não faz eco do sentido nor- mativo que operou na decisão recorrida, reconduzindo-se a uma apreciação (da sua exclusiva responsabili- dade) subjetiva, mas não a um elemento objetivamente reconhecido e reconhecível da norma que constituiu a ratio decidendi . Valem aqui, também, mutatis mutandis , as considerações expendidas no item 2.2.2.2. supra para concluir que não está em causa, propriamente, que o Tribunal da Relação do Porto tenha aplicado o disposto no artigo 1887.º-A do Código Civil. Simplesmente, não o fez com o sentido enunciado pela recor- rente.

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