TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

232 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 15. O direito à convivência entre os membros da família é uma projeção subjetiva da tutela da unidade da família, condição indispensável à realização pessoal dos seus membros: dos pais, como pais; dos filhos em relação aos pais, como filhos; e dos próprios filhos nas relações entre si, como irmãos. O papel específico do pai ou da mãe e dos filhos nas relações entre si e com os pais pressupõe, com efeito, a possibilidade de algum tipo de convivência. Um dos efeitos da medida de promoção e proteção que tem por objeto a confiança a pessoa selecionada para adoção ou a instituição com vista a futura adoção prevista no artigo 35.º, n.º 1, alínea g) , da LPCJP consiste pre- cisamente em os pais ficarem inibidos do exercício das responsabilidades parentais em relação à criança confiada, deixando de poder conviver com ela e, inclusivamente, de a visitar ou estabelecer outros contactos; a medida em causa «dura até ser decretada a adoção e não está sujeita a revisão» (cfr. o artigo 1978.º-A do Código Civil e o artigo 62.º-A, n. os 1 e 2, da LPCJP, na redação da Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto). Por isso, tal medida põe necessariamente em causa o direito fundamental dos pais conviverem com os seus filhos a quem a medida tenha sido aplicada, assim como o direito fundamental destes últimos conviverem com os seus pais. Trata-se em ambos os casos de posições jurídicas subjetivas constitucionalmente protegidas enquanto direitos, liberdades e garantias. É esse, na verdade, o sentido da jurisprudência constitucional relativa à garantia consagrada no artigo 36.º, n.º 6, da Constituição: «Esta garantia, que consiste em os filhos não poderem, em princípio, ser separados dos pais, não constitui apenas um direito subjetivo dos próprios pais a não serem separados dos seus filhos, mas também um direito subjetivo dos filhos a não serem separados dos respetivos pais. Eventuais restrições aos mesmos direitos apenas serão possíveis mediante decisão judicial, nos casos especialmente previstos por lei e verificados os pressupostos expressamente previstos na Constituição: quando se torne necessário salvaguardar os direitos dos menores, por os pais não cumprirem os seus deveres para com eles. Assim se pretende proteger a família, como o impõe o artigo 67.º, n.º 1, do texto constitucional.  Esta proteção constitucional dada à família, bem como a concedida à paternidade e à maternidade, nos termos dos artigos 67.º e 68.º da Lei Fundamental, permite compreender a importância de que se reveste, na nossa ordem constitucional, a específica norma de garantia estabelecida pelo artigo 36.º, n.º 6, que reflete, afinal, em sede de direitos, liberdades e garantias, aquela proteção.  À família, considerada na Lei Fundamental como “elemento fundamental da sociedade”, hão de ser facultadas “todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros”, seguramente porque se entende depender o harmonioso desenvolvimento do ser humano das relações estabelecidas com a família. Afinal, é aí que o ser humano inicia as suas relações com os outros e desenvolve a sua personalidade, sendo no relacionamento, nomeadamente afetivo, que estabelece com os pais, que desperta a sua consciência individual e coletiva, a sua própria forma de ver o mundo.  A família, sobretudo a família nuclear, contribui, pois, decisivamente para a identificação do próprio indi- víduo, sendo aí que ele encontra as suas raízes e os seus primeiros laços afetivos.  Como afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, anotação V ao artigo 67.º, p. 351): A proteção da família significa, desde logo e em primeiro lugar, proteção da unidade da família. A manifes- tação mais relevante desta ideia é o direito à convivência, ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos. [...] Incumbindo aos pais primordial e insubstituível papel na tarefa de educação e acompanhamento dos filhos, apenas em casos extremos, de irresponsabilidade ou negligência, se justificará, assim, a respetiva separação ou afastamento.» (vide o Acórdão n.º 181/97; no mesmo sentido essencial, vide os Acórdãos n. os 470/99 e 232/04) Este entendimento é corroborado pela doutrina. Gomes Canotilho e Vital Moreira referem que a garantia de não privação dos filhos (n.º 6) é também um direito subjetivo a favor dos pais. As restrições a esse direito estão sob reserva da lei (pois compete a esta estabelecer os casos em que os filhos poderão ser separados dos pais, quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais)

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