TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

233 acórdão n.º 62/17 e sob reserva de decisão judicial, quando se trate de separação forçada contra a vontade dos pais (vide Autores cits., Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anot. VIII ao artigo 36.º, p. 566). Jorge Miranda e Rui Medeiros, depois de delimitarem cuidadosamente o âmbito de proteção do direito em causa – apenas «as situações de separação dos filhos dos pais decretada pelos poderes públicos em consequência do incumprimento ou cumprimento defeituoso das responsabilidades parentais» –, salientam: «Não basta […] que os pais não cumpram os seus deveres para com os filhos, sendo necessário que esteja em causa o incumprimento de “deveres fundamentais”. […] Por outro lado, estando em causa uma medida gravemente restritiva de direitos, liberdades e garantias, não pode deixar o legislador de densificar os deveres fundamentais cuja violação, ainda que objetiva, legitima a imposição de que os filhos sejam separados dos pais. As intervenções dos poderes públicos estão, pois, neste domínio, sujeitas a reserva de lei […]. O princípio da proporcionalidade exige, por último, que a separação, sendo a medida mais gravosa, constitua a ultima ratio , não podendo ser decretada quando existirem outras soluções menos gravosas» (vide Autores cits., Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XXVIII ao artigo 36.º, pp. 834-835). No mesmo sentido, Anabela Costa Leão, destaca a importância do artigo 36.º, n.º 6, no quadro da tutela constitucional multifacetada da família: «A proteção da família implica a proteção da unidade da família, que tem no direito à convivência entre os seus membros a sua manifestação mais relevante. Tal implica, desde logo, para o Estado, uma obrigação de facere – criação de condições que permitam essa convivência – e uma obrigação de non facere – não impedir essa convivência. Nessa dimensão jurídica – defensiva, ou negativa (de não ingerência) o direito à convivência reveste natureza de direito, liberdade e garantia, seja diretamente a partir do artigo 36.º, seja analogamente a partir do artigo 67.º No n.º 6 do artigo 36.º é visível o cruzamento de técnicas de proteção da família enquanto bem constitucio- nalmente protegido na sua dupla dimensão objetiva-subjetiva, uma vez que o princípio da não separação entre pais e filhos é, simultaneamente, uma garantia da unidade familiar e, no plano subjetivo, não apenas um direito subjetivo dos pais a não serem separados dos filhos, mas também um direito subjetivo dos filhos a não serem separados dos pais. Daí que, por imposição constitucional, os pais só possam ser separados dos filhos nos casos extremos de, por irresponsabilidade ou negligência, não cumprirem para com eles os seus deveres fundamentais, e por decisão judicial.» (vide Autora cit., “Anotação ao Acórdão TC n.º 232/04 (expulsão de estrangeiros com filhos menores a cargo)” in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, (jul./set. 2004), pp. 25 e segs., pp. 31-32). […]”. 3.2. As apontadas exigências não podem deixar de se projetar sobre o acesso à justiça dos tribunais, obri- gando a uma certa conformação do processo, como no referido Acórdão n.º 193/16 também se sublinhou: “[…] 16. Por outro lado, reforçando o caráter excecional e a gravidade da ingerência pública no direito à convivência entre os pais e os filhos, a Constituição estabelece condições substantivas e procedimentais destinadas a justificar material e formalmente tal ingerência. Como referido, a mesma deve constituir uma ultima ratio , em ordem a sal- vaguardar um bem maior que é a defesa da integridade física e psicológica e da possibilidade de desenvolvimento da personalidade dos próprios filhos, quando aqueles bens sejam colocados em perigo por ação ou omissão dos respetivos pais. Com efeito, a tutela da família opera também num plano objetivo, impondo ao Estado e à socie- dade em geral, especiais deveres de proteção das crianças, mesmo contra a própria família (cfr. o artigo 69.º, n. os  1 e 2, da Constituição). A valoração constitucional positiva da família pressupõe, na verdade, que esta constitua, em concreto, um espaço propício à «realização pessoal dos seus membros», sem abstrair da diferente fragilidade ou

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