TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

234 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL dependência de cada um deles, justificativa de necessidades diferenciadas de proteção (cfr. a afirmação do princípio no artigo 67.º, n.º 1, e a concretização de diferentes deveres de proteção nos artigos 68.º e 69.º). No tocante às garantias do direito à convivência, conciliando-o com a vertente objetiva da tutela da famí- lia, o artigo 36.º, n.º 6, da Constituição é particularmente enfático: a separação dos filhos e dos pais tem como pressuposto o incumprimento por parte destes últimos de deveres fundamentais para com os primeiros e só pode ser decretada por decisão judicial. «A Lei Fundamental estabelece […] uma reserva específica de decisão judicial, exigindo, por isso, que os tribunais tenham, não apenas a última palavra, mas também a primeira na decisão de separação» (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, cit., anot. XXVIII ao artigo 36.º, p. 834). O juiz funciona aqui como um garante dos direitos de todos os envolvidos – pais e filhos – estando obri- gado a respeitar os equilíbrios constitucionais, tal como legalmente concretizados. Em especial, na perspetiva dos pais que se opõem a uma medida de separação a decretar eventualmente em consequência da violação das suas responsabilidades parentais fundamentais que lhes seja imputada, o processo perante o juiz adquire uma relevância crítica, porquanto é a única via processual que lhes é reconhecida para defenderem o seu direito a conviverem com os seus filhos. Na mesma perspetiva, tem, deste modo, plena justificação invocar o direito à tutela jurisdicional efetiva, que postula quer o acesso ao Direito e aos tribunais, quer o direito a que o processo em que tal decisão tão gravosa é tomada seja verdadeiramente um processo equitativo. Na verdade, decorrem do texto constitucional, explícita ou implicitamente, exigências impreteríveis quanto à con- formação e organização dos processos jurisdicionais em geral, as quais são um direto corolário da ideia de Estado de direito democrático, porquanto um dos elementos estruturantes deste modelo de Estado é justamente a observância de um due process of law na resolução dos litígios que no seu âmbito deva ter lugar (cfr. o Acórdão n.º 271/95). Sendo através do processo que os tribunais desempenham a função jurisdicional, e sendo também por intermédio dele que os cidadãos têm acesso à tutela estadual dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podem as normas que o conformam deixar de refletir princípios que estruturam todo o sistema da Constituição. Como se afirmou no Acórdão n.º 243/13: «O direito de acesso aos tribunais, enquanto fundamento do direito geral à proteção jurídica, traduz-se na possibilidade de deduzir junto de um órgão independente e imparcial com poderes decisórios uma dada pretensão (o pedido de tutela jurisdicional para um direito ou interesse legalmente protegido), pelo que implica uma série de interações entre quem pede (autor), quem é afetado pelo pedido (réu) e quem decide (juiz), a que corresponde o processo. E a disciplina deste último – o processo em sentido normativo – encontra-se subme- tida à exigência do processo equitativo: o procedimento de conformação normativa deve ser justo e a própria conformação deve resultar num “processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anot. XVI ao artigo 20.º, p. 415). Se tal exi- gência não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, a mesma “impõe, antes de mais, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no processo (Ac. n.º 632/99). Um processo equitativo postula, por isso, a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas” (cfr. Rui Medeiros in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XVIII ao artigo 20.º, p. 441). […] Nessa linha, entendendo-se a exposição das razões de facto e de direito de uma dada pretensão, com sujeição ao contraditório da parte contrária, perante o tribunal antes que este tome a sua decisão como uma manifestação do direito de defesa dos interessados perante os tribunais, tal direito, juntamente com o princípio do contraditório, não pode deixar de ser visto como “uma decorrência do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo julgado por um órgão imparcial e independente. Por isso, embora só estejam [ – o direito de defesa e o princípio do contraditório – ] expressamente consagrados na Constituição no âmbito do processo

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