TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

236 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder “deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas pro- vas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras” (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil I, Coimbra, 1956, p. 364)». […] É assente, na jurisprudência constitucional, que do conteúdo do direito de defesa e do princípio do contradi- tório resulta prima facie que cada uma das partes deve poder exercer uma influência efetiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes de o tribunal decidir questões que lhes digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras (cfr. designadamente, os Acórdãos. n. os 1185/96 e 1193/96). A jurisprudência adota, assim, um entendimento amplo do contraditório, entendido “como garantia da parti- cipação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” (Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 96.). Adianta ainda este autor que “o escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento do processo”.» Estando em causa a defesa de um direito fundamental com a natureza de direito, liberdade e garantia – como sucede em relação ao direito à convivência entre os pais e os seus filhos, nos termos do artigo 36.º, n.º 6, da Cons- tituição –, é claro que todas estas exigências relativas à conformação do processo surgem de modo reforçado. Na verdade, o litígio existente em tais situações opõe processualmente o Estado, representado pelo Ministério Público – e que, por sua vez, é apoiado pelos serviços da segurança social –, aos próprios pais a quem é imputada a viola- ção de deveres fundamentais associados ao exercício das respetivas responsabilidades parentais. Mas, além deste desequilíbrio de partida, está em causa a possível constituição de uma situação irreversível derivada da extinção definitiva do mencionado direito de convivência. Daí a importância fundamental de uma compreensão material e lata do princípio do contraditório, enquanto expressão da garantia do acesso ao direito e como condição da equidade do próprio processo. Conforme preconiza Lebre de Freitas, tal exigência concretiza-se no princípio da participação efetiva no desenvolvimento do litígio: «às partes deve ser fornecida, ao longo do processo, a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encon- trem em efetiva ligação com o objeto da causa e que, em qualquer fase do processo se pressintam como relevantes para a decisão. Porquê? Porque a colaboração das partes com o tribunal é tida por essencial para que o processo atinja a sua finalidade de composição dum litígio de acordo com a justiça» (vide Autor cit., “Inconstitucionalidades do Código de Processo Civil (antes da revisão de 1995-1996)” in Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Coim- bra Editora, Coimbra, 2002, pp. 12 e segs., p. 17; o estudo foi originariamente publicado na Revista da Ordem dos Advogados, II, em 1992). […]”. 4. O quadro que acabou de se descrever é o pano de fundo das questões a apreciar no recurso, sendo a primeira delas a da invocada inconstitucionalidade do artigo 104.º da LPCJP, na interpretação segundo a qual o contraditório se mostra cumprido com a possibilidade de consulta dos autos sem necessidade de noti- ficação prévia e pessoal dos documentos que serviram de prova aos factos da decisão que aplica uma medida de confiança com vista à futura adoção. Fazendo uso da classificação, atrás citada (na transcrição do Acórdão n.º 193/16, no item 3.2. supra ), que se adotou, entre outros, no Acórdão n.º 778/14, poderão estar em causa o princípio da “[…] proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes

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