TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

239 acórdão n.º 62/17 não sido expressamente indicado por algum dos sujeitos processuais ou sinalizado pelo tribunal como prova; a possibilidade de consulta dos autos, a sua dimensão; o tempo decorrido entre atos processuais; a assistência por advogado. Não é difícil reconhecer, neste ponto, uma aproximação relevante entre a situação jurídica – e a necessi- dade de proteção perante o exercício do poder jurisdicional – do arguido em processo penal e do progenitor no processo de promoção e proteção visando o tipo de medida aqui em causa. Num caso, como no outro, interessa saber se a falta de notificação do documento comprometeu a possibilidade de defesa contra o efeito não pretendido que o processo pode produzir (a condenação penal, o encaminhamento de um filho para outro projeto de vida, para outros pais). Nestas circunstâncias, a modelação das variáveis descritas no cenário de um documento não expressamente notificado – seja em processo penal, seja no âmbito de um processo judicial de promoção e proteção em que venham a ser aplicadas medidas executadas em regime de colocação – pode, no limite, redundar em efetiva restrição ou ablação do direito a conhecer os elementos relevantes do processo, com a inerente impossibilidade de influenciar a decisão ou de apresentar uma posição funda- mentada sobre os mesmos. Mas também pode, em outro extremo, reconduzir-se – e é o que aqui sucede – a uma hipótese de evidente disponibilidade de um elemento de prova para consulta, de que a parte pode ter conhecimento, desde que tenha acesso aos autos, agindo com normal diligência. 4.2. A necessidade de ponderar a posição da recorrente no processo obrigaria a saber, antes de mais, quais os documentos relevantes para a decisão de aplicação das medidas que, no seu entender, deveriam ter sido notificados e não o foram. Ora, aqui chegados – e começando, desde logo, pelo recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto –, verifica-se que, a este respeito, a recorrente nada concretiza, produzindo afirmações genéricas como “[…] a sentença remete para muitos e longos documentos fora do debate» e «o advogado fica impedido de compreender os próprios fundamentos documentais da sentença”. No entanto, nas alegações apresentadas no Tribunal Constitucional, afirma (conclusão 10.ª): “[…] havendo entre esses documentos não notificados um relatório pericial que manifesta a vontade das crianças em permanecer com a sua mãe, o qual passa men- cionado por remissão como um mero número, percebe-se a falta dum processo justo cuja tramitação não deu garantias de cumprir o direito constitucional das crianças a decidir o seu futuro”. Não pode, todavia, a pretexto deste recurso de fiscalização concreta da inconstitucionalidade, introduzir a questão nos sobreditos termos. Desde logo, porque ela não se compreende na norma que enunciou. Acima de tudo, porque também não decorre da ratio decidendi do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, perante o qual a recorrente não colocou a questão da omissão de notificação do relatório (peça que não identifica, aliás), a qual, por isso, não pode ter-se por verificada.  Sem tais elementos para ponderação, não pode o Tribunal aquilatar a natureza do documento, a sua cen- tralidade ou caráter decisivo na formação da convicção do tribunal ou na construção decisória em geral, se foi ou não expressamente indicado por algum dos sujeitos processuais ou sinalizado pelo tribunal como prova. Por outro lado, dos autos resulta o seguinte: o senhor advogado que patrocina a recorrente teve efetivo acesso aos autos tendo-os consultado (embora não no seu escritório, como pretendia) e recebeu cópias de diversos elementos destes, além de ter recebido as gravações do debate judicial (fls. 714 e 715); a recorrente esteve representada por advogado desde o debate judicial de 6 de julho de 2015; o referido advogado par- ticipou naquela sessão e ainda na de 14 de julho de 2015, até ao primeiro acórdão do tribunal de primeira instância; recorreu para o Tribunal da Relação do Porto; esteve novamente presente na tomada de declarações à psicóloga da instituição em 9 de dezembro de 2015 (fls. 867) e em sessões de debate judicial de 17 e dezem- bro de 2015, 6 de janeiro de 2016 e 13 de janeiro de 2016; ao contrário do cenário descrito de “milhares de páginas”, o processo incorporou 87 páginas (de fls. 832 a 919) desde a prolação do primeiro acórdão do Tribunal da Relação do Porto, em 28 de outubro de 2015 (altura em que a recorrente organizou a sua defesa considerando o processo até esse momento), e o segundo acórdão do tribunal de primeira instância, em 13 de janeiro de 2016, mediando mais de dois meses entre as referidas datas; boa parte dessas 87 páginas

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