TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

240 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL consiste em documentação de atos processuais; e, por fim, a recorrente, no segundo recurso que interpôs para o Tribunal da Relação do Porto, mostrou efetivo e extensivo conhecimento do processo, quer no que toca às declarações, quer aos documentos, impugnando a matéria de facto em grande latitude. Neste contexto, para além de não ser possível circunscrever qualquer omissão concreta de um ato de notificação, fica o retrato claro e impressivo do efetivo e extensivo acesso aos autos pela recorrente, que em nada pode ter perturbado o eficaz exercício do contraditório no processo, agindo – como agiu, de facto – com normal diligência. Havendo que ponderar a situação da recorrente face à dinâmica do processo, os elementos disponíveis para essa ponderação apontam, pois, sem dúvida, para a inexistência de dificuldade no exercício do contra- ditório, sendo certo que um qualquer obstáculo que a prejudicasse nesse plano deveria ter sido identificado e refletido na construção da norma em apreciação. 4.3. Pelas razões que antecedem, resta concluir que a norma do artigo 104.º da LPCJP, na interpretação segundo a qual o contraditório se mostra cumprido com a possibilidade de consulta dos autos sem necessi- dade de notificação prévia e pessoal dos documentos que serviram de prova aos factos da decisão que aplica uma medida de confiança com vista à futura adoção, sem mais – estamos exatamente a indicar a invocação de inconstitucionalidade da recorrente nesta parte –, a norma nesta interpretação, dizíamos, não padece do invocado vício de inconstitucionalidade. Improcede, pois, o recurso nesta parte. 5. Cumpre, também apreciar a invocada inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 88.º da LPCJP, quando interpretado no sentido de os advogados dos pais não terem a faculdade de confiança e exame de todo o processo no seu gabinete em período de alegações de recurso. 5.1. O caráter reservado do processo de promoção e proteção, previsto no artigo 88.º da LPCJP, traduz uma manifestação do princípio da privacidade [artigo 4.º, alínea b) , do mesmo diploma], que aponta para que a intervenção seja conduzia “[…] por forma a respeitar a intimidade, direito à imagem e reserva da vida privada da criança e do jovem” (Tomé d’Almeida Ramião, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo , 7.ª edição, Lisboa, 2014, p. 35). Mostra-se em linha com a previsão do artigo 16.º da Convenção sobre os Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 (Resolução n.º 44/25), aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de setembro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de setembro, entrando em vigor na ordem jurídica portuguesa no dia 21 de outubro de 1990. Ali se prevê que “nenhuma criança pode ser sujeita a intromissões arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou correspondência, nem a ofensas ilegais à sua honra e reputação” e que “a criança tem direito à proteção da lei contra tais intromissões ou ofensas”. O artigo 88.º da LPCJP só refere, expressamente, a consulta do processo, na fase judicial, no que respeita aos pais e respetivos advogados (n.º 3: “podem consultar”), o que leva alguns autores a ver, neste preceito, a exclusão da possibilidade de passagem de certidões ou cópias (assim, Tomé d’Almeida Ramião, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, cit., p. 190), posição que, todavia, não é unânime (em sentido contrário, vide Beatriz Marques Borges, Proteção de Crianças e Jovens em Perigo – Comentários e Anotações à Lei n.º 147/99 , de 1 de setembro, Coimbra, 2007, pp. 290 e seguintes). 5.2. Na decisão recorrida, interpretou-se a norma do artigo 88.º da LPCJP no sentido em que o caráter reservado do processo exclui a sua confiança ao advogado. Na tese da recorrente, trata-se de uma norma inconstitucional, por violação do disposto no n.º 4 do artigo 20.º da CRP, colocando a progenitora numa

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