TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

244 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL I – A omissão de notificação expressa de um documento constante dos autos não implica – só por si – uma afetação intolerável do direito de defesa, na sua dimensão de direito ao contraditório; II – Tal apreciação depende das circunstâncias em que o documento surge no processo e se articula com a decisão, podendo assumir relevância nesta ponderação, entre outros elementos: a natureza do documento; a sua centralidade ou caráter decisivo na formação da convicção do tribunal ou na construção decisória em geral; ter ou não sido expressamente indicado por algum dos sujeitos processuais ou sinalizado pelo tribunal como prova; a possibilidade de consulta dos autos, a sua dimensão; o tempo decorrido entre atos processuais; a assistência por advogado; III – Havendo que ponderar a situação do sujeito processual na dinâmica do processo, a omissão da identificação de concretos documentos ou outros elementos que deviam ter sido notificados e não o foram, bem como a revelação, pelos atos do processo, do efetivo e extensivo acesso aos autos pelo interessado no recurso, inviabilizam um juízo de inconstitucionalidade da norma do artigo 104.º da LPCJP, na interpretação segundo a qual o contraditório se mostra cumprido com a possibilidade de consulta dos autos sem necessidade de notificação prévia e pessoal dos documentos que serviram de prova aos factos da decisão que aplica uma medida de confiança com vista à futura adoção; IV – O caráter reservado do processo de promoção e proteção, previsto no artigo 88.º da LPCJP, é uma manifestação do princípio da privacidade [artigo 4.º, alínea b) , do mesmo diploma], mostrando-se em linha com a previsão do artigo 16.º da Convenção sobre os Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. V – Perante a circunstância de, em processo de promoção e proteção, no prazo de recurso da decisão de aplicação de medida, só ter sido permitido ao advogado que patrocina a progenitora consultar o processo na secretaria e não, como requereu, no seu escritório, podem equacionar-se questões atinentes ao caráter justo do processo. VI – Tais questões, todavia, não devem equacionar-se enquanto mera equiparação ou aparente (des) igualdade de armas entre a posição do Ministério Público e dos outros sujeitos processuais. Em primeiro lugar, porque não interessa tanto contrapor, numa rígida postura de oposição dialética, as posições relativas da progenitora e do Ministério Público, importando mais averiguar se os termos e condições em que a defesa tem acesso, nesta fase processual, ao conteúdo do processo, lhe assegura os meios e as garantias necessárias a um exercício do direito de defesa efetivo e eficaz. Em segundo lugar, porque a norma correspondente não vai dirigida à criação de uma faculdade processual ao Ministério Público, mas sim à salvaguarda do caráter reservado do processo. Não há, assim, um direito processual encabeçado pelo Ministério Público, cujo acesso aos autos, caso seja facilitado (o que fica por demonstrar em abstrato e para qualquer caso) será, no limite, um efeito mediato da solução normativa que garante a reserva dos elementos do processo; VII – A norma do n.º 3 do artigo 88.º da LPCJP quando interpretada no sentido de os advogados dos pais não terem a faculdade de confiança e exame de todo o processo no respetivo escritório em período de alegações de recurso, não se mostra, assim, arbitrária ou sem propósito; VIII – Na sua apreciação à luz do direito a um processo justo, importa indagar se é causado um dese- quilíbrio das garantias do processo em desfavor da progenitora, designadamente se o direito ao contraditório que vai implicado na interposição do recurso foi afetado de um modo significativo; IX – Tal desequilíbrio não pode afirmar-se em abstrato, mas apenas perante dificuldades ou obstácu- los que objetivamente comprometam o integral e atempado conhecimento, apreciação e ponde- ração dos atos processuais e meios de prova documentados; X – A afirmação abstrata dessa dificuldade, desligada da identificação de concretos obstáculos que lhe possam dar corpo, não permite dá-la por verificada; XI – É legítimo o interesse do legislador em manter o caráter reservado do processo e a consulta dos autos na secretaria constitui um meio adequado a assegurar esse caráter reservado;

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