TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

25 acórdão n.º 149/17 estatuto dos magistrados; estatuto das autarquias locais; regime da função pública e do domínio público; meios de produção e forças de segurança. Como afirma Jorge Miranda (A autonomia legislativa das regiões autónomas após a revisão constitucio- nal de 2004, in Scientia Juridica, Tomo LIV – n.º 302, 2005, pp. 202-203): «Porque Portugal não é um Estado Federal e as regiões autónomas não possuem um poder legislativo origi- nário e genérico, há matérias que, mesmo quando se circunscrevam ao âmbito regional, são reservadas aos órgãos centrais, ou porque afetem o princípio da soberania (amnistias, estado de sítio ou de emergência, águas territoriais, cidadania, Direito penal, tribunais), ou porque contendem com o regime político democrático ( v. g. direitos, liberdades e garantias, eleições, referendos, tribunais) ou porque, simplesmente, vão bulir com interesses ou valores que o Estado entende ser ele a definir e a proteger ( v. g . estado e capacidade das pessoas, responsabilidade civil da Administração, domínio público)». A matéria criminal (definição de crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos, bem como processo criminal) está subtraída à competência das regiões. De acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, pertence à reserva relativa da Assembleia da República todo o direito penal e processual penal, designadamente todas as matérias envolvidas nos artigos 27.º a 32.º da CRP. Este princípio resulta diretamente da preeminência legislativa da Assembleia da República, cujo fundamento é o próprio princípio democrático-representativo (vide parecer da Comissão de Assuntos Cons- titucionais da AR, in Diário da Assembleia da República, 1.ª legislatura, 1.ª sessão legislativa, n.º 74, pp. 2469 e seguintes). Assim o entende a nossa Constituição, tal como a generalidade das constituições democráticas. Tem entendido o Tribunal Constitucional que estão incluídas na reserva da Assembleia da República, tanto a criminalização como a descriminalização (Acórdão n.º 56/84; Taipa de Carvalho, Direito Penal. Parte Geral, Universidade Católica Editora Porto, 2016, pp. 167-168), incluindo, nomeadamente, a passagem de infrações do direito criminal para o direito contraordenacional (Acórdãos n. os  158/88 e 177/88). 8. Invoca o requerente, como padrão ou critério argumentativo, a jurisprudência adotada pelo Tribunal Constitucional sobre a reserva relativa da Assembleia da República em matéria criminal, no âmbito da rela- ção entre Assembleia da República e Governo. Com efeito, esta jurisprudência (cfr., entre outros, Acórdãos n. os 14/99, 96/99, 469/99, 91/03, 350/03 e 537/07) tem entendido, de modo reiterado e uniforme, que as normas penais inovadoras emanadas do Governo que alterem os elementos factuais dos tipos legais de crime previstos no Código Penal ou que não se limitem a reproduzir o conteúdo de normas anteriormente autori- zadas pela Assembleia da República, padecem de inconstitucionalidade orgânica, quando o conteúdo da lei de autorização não incluía a delegação no Governo de poder para legislar em matéria penal. Nomeadamente, no que diz respeito ao tipo legal de crime de desobediência qualificada, o Tribunal Constitucional tem afir- mado que a norma penal cominatória deve estar prevista em lei da Assembleia da República ou em decreto- -lei autorizado (Acórdãos n. os  256/02 e 397/14). A título de exemplo, afirma-se no Acórdão n.º 256/02: «A questão que agora se coloca consiste apenas em saber se, quanto ao crime de desobediência qualificada, a disposição legal a que se refere o n.º 2 do artigo 348.º pode ser uma norma contida em qualquer tipo de diploma legislativo ou apenas uma norma penal, o que implicaria desde logo que constasse de lei parlamentar ou de decreto- -lei parlamentarmente autorizado, por força do preceituado no artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição atual, ou do artigo 168.º, n.º 1, c) da redação anterior.  Ora, independentemente de saber se é ou não possível considerar que a desobediência simples se encontra tipificada no citado artigo 348.º, quanto ao critério da infração e quanto aos seus destinatários no tocante às condutas realmente proibidas, já se afigura indiscutível que a desobediência qualificada não encontra ali qualquer critério distintivo relativamente à desobediência simples, pelo que a disposição legal que «cominar a punição da desobediência qualificada» procede necessariamente, ela própria, à definição do tipo de crime.

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