TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

26 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Nesta conformidade, a disposição legal prevista no artigo 348.º, n.º 2, do Código Penal tem de ser uma norma penal e, consequentemente, deve constar de lei parlamentar ou de decreto-lei autorizado». A mesma orientação foi defendida nos acórdãos relativos à fiscalização concreta da constitucionalidade de normas do Código da Estrada sobre a condenação como desobediência qualificada do condutor que recusa sujeitar-se a testes de alcoolemia (Acórdãos n. os  275/09 e 397/14) ou do condutor que pratica atos para os quais se encontra proibido ou inibido por sentença transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva que aplique uma sanção acessória (Acórdãos n. os 574/06, 114/08 e 187/09).  Contudo, a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a relação entre a Assembleia da República e o Governo – que admite a constitucionalidade das normas penais não inovatórias – não é transponível para o domínio das relações intralegislativas entre o Estado e as regiões autónomas, como resulta do Acórdão n.º 185/09. Este Acórdão declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A, de 9 de julho, que determinava a aplicação na Região Autónoma dos Açores do disposto nos artigos 28.º a 33.º da Lei de Bases Gerais da Caça, que tipifi- cavam diversas infrações criminais no exercício da caça, considerando que, em matéria penal, as assembleias legislativas das regiões autónomas, porque não são órgãos de soberania (mas apenas órgãos com autonomia político-administrativa), não têm poder para transpor ou para assumir como sua a legislação penal nacional. Desta orientação jurisprudencial se deduz que, por maioria de razão, as assembleias legislativas das regiões autónomas não têm competência para alargar o âmbito de incriminação de normas penais estaduais. 9. O artigo 13.º, n.º 2, do Decreto, prevendo uma pena para determinados comportamentos que qualifica como crime, situa-se no âmbito da definição dos crimes, integrando matéria de reserva relativa da Assembleia da República [artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da CRP], e vedada às regiões autónomas, nos termos do artigo 227.º, n.º 1, alíneas a) e b) , 2.ª parte, da CRP. Do confronto entre o âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República sobre a definição dos crimes e seus pressupostos, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da CRP e o conteúdo da norma cuja apreciação foi pedida resulta ser manifesto que esta se pronuncia sobre matéria criminal e que não se limita a uma remissão, não inovadora, para uma norma penal pré-existente, a qual, como vimos, estaria de qualquer forma vedada às regiões autónomas. A norma do n.º 2 do artigo 13.º do Decreto constitui uma norma incriminatória de condutas, pra- ticadas por um não funcionário, que, por qualquer forma, dificultem ou se oponham ao desempenho de funções inspetivas, expandindo a incriminação da norma quadro (artigo 348.º do CP) a comportamentos distintos dos nela previstos. Sendo o elemento objetivo do tipo de legal de crime de desobediência simples ou qualificada a “falta de obediência devida a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário”, tem de concluir-se que na norma em apreciação se «define, auto- nomamente, um específico crime de desobediência – e isso só a Assembleia da República (ou o Governo por ela autorizado) podem fazer» (Acórdão n.º 431/94). Seja qual for a interpretação prevalecente – definição de um crime novo ou cominação de desobediência qualificada – a verdade inequívoca é que a norma sob apre- ciação incrimina os comportamentos nela visados, invadindo a reserva legislativa da Assembleia da República consagrada no artigo 165.º, n.º 1, alíneas c) e b), 2.ª parte, da CRP. Resulta pois do exposto, que, no caso sub judicio , estamos, inequivocamente, no domínio da crimina- lização – definição de crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos – matéria que a Cons- tituição reserva à Assembleia da República, conforme previsto no artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da CRP, e veda expressamente às regiões autónomas, por força do artigo 227.º, n.º 1, alíneas a) e b), 2.ª parte, da CRP.  Sendo assim, tendo a Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma da Madeira ultrapassado os seus poderes constitucionais, a norma em apreciação é inválida, por ofensa ao artigo 227.º, n.º 1, alíneas a) e b), 2.ª parte, conjugado com o artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , ambos da CRP, padecendo de inconstitu- cionalidade orgânica.

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