TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

262 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. Este princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui proteção. Por isso, disse-se ainda no Acórdão n.º 287/90 – e importa ter este dito presente no caso – que, em princípio, e tendo em conta a autorrevisibilidade das leis, ‘não há (…) um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados’. […]” (itálico acrescentado). Ora, no caso dos autos, para além de ser patente que não se verifica nenhum dos indicados requisitos, nem sequer nos encontramos perante uma alteração de comportamento do legislador que possa servir de molde para delinear os termos da modificação que poderia romper com um estado de confiança ao qual houvesse que conferir respaldo. Na verdade, como resulta do enquadramento da questão (cfr. itens 2.1. e 2.2. supra ), a autonomia das penas principais e de substituição há muito está adquirida no nosso sistema jurídico e na prática judicial, aqui incluindo a fixação da pena de multa de substituição sem referência à pena de multa principal (que não foi aplicada nem substituída). Não existe, simplesmente, qualquer comportamento apto a gerar expectativas de continuidade. Assim, tais expectativas, no sentido da limitação visada pelo recorrente, não seriam legítimas, nem jus­ tificadas, nem fundadas em boas razões, até mesmo porque, ao contrário do que se pode ler nas alegações de recurso, a solução encontra apoio legal bastante (tanto quanto o Tribunal Constitucional pode e deve apre­ ciar, como infra se nota, a propósito da suposta violação do princípio da legalidade). Torna-se, deste modo, inútil apreciar os demais requisitos associados ao aludido princípio. Em suma, a violação do princípio da proteção da confiança não tem, no caso, qualquer cabimento. 2.4. Foi, ainda alegada a violação do princípio da igualdade, porquanto “[…] não vemos razões subs­ tanciais que permitam uma dualidade de tratamento tão díspar e apta a provocar diferentes resultados […]”, já que (diz o recorrente), “[…] as mesmíssimas razões que impõem a limitação a 120 dias da pena de multa principal, por identidade de razão ( a simili ) impõem que tal limite vigore igualmente para a multa de substi­ tuição», concluindo que importa «dar cumprimento ao princípio da igualdade, na medida em que se verifi­ cará uma identidade e a medida da diferença já se mostrará ao nível do não cumprimento da pena de multa, pois no caso de multa principal será cumprida prisão subsidiária reduzida a dois terços e no caso de multa de substituição será cumprida a pena de prisão sem qualquer redução”. Inúmeros Acórdãos do Tribunal Constitucional se ocuparam das exigências inerentes à previsão constitu­ cional do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1). Para o que ora importa apreciar, recorde-se que é juris­ prudência estabilizada que a Constituição só proíbe o tratamento diferenciado de situações quando o mesmo se apresente como arbitrário, sem fundamento material, havendo que precisar o sentido da igualdade jurídica. Pode, assim, ler-se no Acórdão n.º 362/16, seguindo o curso de inúmeras decisões anteriores concordantes: “[…] Numa perspetiva de igualdade material ou substantiva – aquela que subjaz ao artigo 13.º, n.º 1, da Constituição e que se traduz na igualdade através da lei –, a igualdade jurídica corresponde a um conceito relativo e valorativo assente numa comparação de situações: estas, na medida em que sejam consideradas iguais, devem ser tratadas igualmente; e, na medida em que sejam desiguais, devem ser tratadas desigualmente, segundo a medida da desigualdade. Tal implica a determinação prévia da igualdade ou desigualdade das situações em causa, porquanto no plano da realidade factual

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