TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

291 acórdão n.º 106/17 6. Com efeito, a referida norma viola o princípio da legalidade previsto no artigo 2.º da CRP, uma vez que não tem qualquer correspondência com o preceituado no artigo 328.º, n.º 6, do CPP, que não distingue as situações de interrupção e de adiamento da audiência que tenham lugar em cumprimento de decisão do Tribunal a quo, daque­ las que decorram de vicissitudes ocorridas com o agendamento do julgamento, ou outras, em primeira instância. 7. Do mesmo modo, viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva garantido no artigo 20.º, n.º 4, da CRP e as garantias de defesa do Arguido, previstas no artigo 32.º da CRP, uma vez que o princípio da continuidade da audiência e da imediação asseguram a memória da prova produzida em julgamento pelo julgador, e, portanto, a afirmação de uma decisão justa. Transcrevendo-se, novamente, o Ac. do STJ, já identificado: ‘Como forma de reduzir os riscos que o tempo e a duração do processo podem provocar na memória do julgador inscreve-se o prin­ cípio da concentração, que sublinha a necessidade de proximidade entre os diversos atos processuais para que o juiz possa valer-se da impressão deixada no seu espírito pelos testemunhos e depoimentos’. 8. Consequentemente, para que a oralidade seja efetiva e traga todos os benefícios inerentes à sua aplicação, torna-se necessária a produção de um mínimo de sessões de audiência ou, idealmente, a produção de apenas uma audiência. A proximidade temporal entre aquilo que o juiz apreendeu, por sua observação pessoal, e o momento em que deverá avaliá-lo na sentença é elemento decisivo para a preservação das vantagens do princípio, pois um intervalo de tempo excessivo entre a audiência e o julgamento tornará difícil ao julgador conservar, com nitidez, na memória os elementos que o tenham impressionado na receção da prova, fruto de sua observação pessoal sujeita a desaparecer com o passar do tempo. 9. Por fim, a referida interpretação viola frontalmente o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, na medida em que não há nenhuma razão de facto que permita concluir que, por razões de ordem neurofi­ siológica e da memória, o Tribunal não consegue assegurar o princípio da imediação e da audiência se decorrem mais de 30 dias sobre a última sessão, mas que esse princípio não sai beliscado se a interrupção entre sessões tiver lugar em cumprimento de um despacho do Tribunal a quo. 10. É manifesto que a análise da prova, levada a cabo tendo por base depoimentos prestados um ano antes pelas testemunhas […], entre 07/03/2013 e 08/04/2013 e os depoimentos das testemunhas […], prestadas entre 08/04/2014 e 13/05/2014, encontra-se em direta violação do princípio da legalidade, do princípio da imediação e da continuidade, do princípio da tutela jurisdicional efetiva, das garantias de defesa do Arguido e do princípio da igualdade. 11. Declarando a inconstitucionalidade indicada nas precedentes conclusões, farão Vossas Excelências Justiça. […]”. 1.4.1. O Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, assim concluindo: “[…] 1) O que o recorrente pretende com o presente recurso é que o Tribunal Constitucional reveja a interpretação que os acórdãos recorridos firmaram quanto ao âmbito de aplicação do artigo 328.º, n.º 6, do CPP (redação ori­ ginária, anterior à que lhe foi conferida pelo artigo 2.º, Lei n.º 27/2015, de 14 de abril) e fazer prevalecer sobre a mesma, por via de extensão teleológica ou de analogia, uma outra, materializada na criação de uma norma em cuja hipótese legal possam ser subsumidos casos do tipo do dos autos (necessidade de repetição de prova registada no decurso da anterior fase de discussão, suscitada já depois de ter sido ditada e notificada a sentença condenatória, por haver omissão ou deficiência na documentação de […] determinados atos de produção da prova). 2) Tal redundaria em investir o Tribunal Constitucional na ‘competência das competências’, através da repon­ deração da interpretação do direito infraconstitucional ditada pelos acórdãos recorridos, o que exorbitaria do escopo da sua missão, constitucional e legalmente fixada, de apreciar e decidir ‘questões de constitucionalidade (ou legalidade qualificada)’ e não ‘questões de legalidade’. 3) O ‘princípio da legalidade previsto no artigo 2.º da CRP’, não está consagrado em tal preceito constitucio­ nal, nem vem determinado na alegação em causa qual seja o seu conteúdo constitucional, relevante para o caso.

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