TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

293 acórdão n.º 106/17 “[…] [S]e o Tribunal Constitucional não pudesse conhecer do objeto do recurso quando uma norma não tivesse sido aplicada ao caso concreto em virtude da sua interpretação restritiva, furtar-se-ia à apreciação desse Tribunal a inconstitucionalidade de todas as normas nas interpretações que os Tribunais concretamente delas fizessem, ‘quando dessas interpretações resultasse a não aplicação por esses Tribunais dessas mesmas normas’. Isto é: uma interpretação restritiva de uma norma da qual resulte a sua inaplicabilidade ao caso concreto deve ainda considerar-se aplicação dessa norma, para efeitos de fiscalização concreta de constitucionalidade, sob pena de tal norma, nessa interpretação, nunca poder ser sindicada à luz da Constituição. […]”. Deve notar-se, todavia, que a questão continua a ser apreciada na sua dimensão normativa emergente da decisão recorrida. Significa isto que não cabe ao Tribunal Constitucional emitir pronúncia sobre a melhor interpretação daquela norma, mas apenas considerá-la tal como foi interpretada e aplicada. Assim, este Tribunal não apreciará se a norma do artigo 328.º, n.º 6, do CPP deve ser interpretada no sentido de abran­ ger ou não os casos de reabertura da audiência determinada pelo tribunal de recurso e destinada a suprir a ausência ou deficiente documentação de prova. Cabe-lhe, apenas, apurar se, na segunda opção, tal norma contraria algum preceito ou princípio constitucional. Ou seja, “[…] não é tarefa deste Tribunal controlar o iter hermenêutico percorrido pelo tribunal recorrido, à luz das regras gerais sobre a interpretação jurídica e das suas especificidades no direito penal e no processo penal, nem tampouco indagar da bondade da solução legislativa subjacente à interpretação normativa sufragada nos autos” (ponto 8.1. do Acórdão n.º 399/15, retomando jurisprudência há muito consolidada). Tem, assim, pleno cabimento (e ora a acolhemos) a restri­ ção sugerida nas contra-alegações do Ministério Público, no sentido de circunscrever o objeto do recurso de constitucionalidade às estritas competências do Tribunal Constitucional, ou seja, a fiscalização das normas efetivamente aplicadas por outros tribunais nas suas decisões, mas nunca a (re)apreciação do respetivo per­ curso interpretativo. 2.1. Está em causa, nos presentes autos, a redação do n.º 6 do artigo 328.º do CPP conferida pelo diploma que aprovou o Código (Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro), ou seja, antes da alteração intro­ duzida pela Lei n.º 27/2015, de 14 de abril, da qual, consequentemente, não cuidaremos nesta sede. Sobre a matéria, explica Nuno Brandão (“Era uma vez o princípio da concentração temporal?”, in Revista Julgar, n.º 28, janeiro-abril de 2016, pp. 110 e seguintes): “[…] O CPP de 1987 começava por distinguir entre interrupções e adiamentos (art. 328.º, n. os 1 e 2): as interrupções corresponderiam às pausas na marcha da audiência realizadas durante um mesmo dia, desde logo para alimentação e repouso dos participantes, e entre dois dias úteis imediatamente seguidos entre si; ao passo que os adiamentos corresponderiam àquelas suspensões dos trabalhos com uma duração superior a um dia útil. O adiamento só seria admissível se verificada uma das circunstâncias previstas no n.º 3 do art. 328.º. Ocorrendo um adiamento, o curso da audiência estaria dependente da duração dessa suspensão: se igual ou inferior a 5 dias, a audiência deveria ser retomada a partir do último ato processual praticado na audiência adiada (art. 328.º-4); se superior a 5 dias e não superior a 30 dias, aquando do reatamento da audiência deveria o tribunal decidir se alguns dos atos já realizados deveriam ser repetidos (art. 328.º-5); se superior a 30 dias, a produção de prova já realizada perderia eficácia (art. 328.º-6), regressando a audiência de julgamento praticamente à estaca zero (art. 341.º). Este regime não impedia, obviamente, que entre o início e o fim da audiência de julgamento decorressem mais de 30 dias. Como em muitos processos não raro seria (como continua a ser) humanamente impossível concen­ trar toda a audiência nos dias (úteis) que compõem um mês, entender o contrário implicaria colocar o tribunal e demais sujeitos processuais numa absurda posição de Sísifo e comprometeria mesmo, de forma irremediável e

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