TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

294 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL constitucionalmente insuportável, a própria realização da justiça penal. De maneira que o que estaria em causa seria apenas a delimitação da duração máxima do intervalo temporal entre duas sessões de uma dada audiência de julgamento. A conexão que, deste modo, se estabelecia entre a suspensão da audiência por adiamento e a prova entretanto produzida projetava-se em dois sentidos, cada um deles entretanto eliminado: Em caso de suspensão da audiência de julgamento entre 6 (a partir de 1998, 9) dias e 30 dias, poderia o tribu­ nal determinar a repetição de alguns atos probatórios anteriormente realizados (art. 328.º-5, II). Uma possibilidade abolida pela revisão de 2007 do CPP, naquele que foi um primeiro passo na direção da desvinculação do princípio da concentração do reduto probatório. Caso a suspensão ultrapassasse 30 dias, fruto de um adiamento ‘em regra não admissível’, o decurso desse prazo repercutir-se-ia inapelavelmente sobre a prova entretanto produzida, independentemente do tempo e do número de sessões já transcorridos e do motivo determinante de tal paragem: essa prova perderia eficácia. Ficando a audiên­ cia desprovida dessa prova, deixaria ela “de ter qualquer virtualidade para fundamentar a convicção do julgador ou para produzir qualquer efeito processual”. E portanto, haveria que fazer regressar a audiência ao momento inicial da produção da prova, assim devendo, na prática, recomeçar-se o julgamento inteiramente de novo. Isto sob pena de, pelo menos, verificação de nulidade da fase do julgamento por omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade [art. 120.º-2, d) ]. Foi precisamente esta cominação da perda de eficácia da prova produzida em audiência adiada por mais de 30 dias, constante do n.º 6 do art. 328.º, que a Lei n.º 27/2015 eliminou. […]”. Superando outra divergência, foi proferido o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 11/2008 ( Diário da República n.º 239, 1.ª série, de 11 de dezembro de 2008), que fixou o entendimento segundo o qual “[n]os termos do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julga­ mento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma”. A decisão, aceitando a relevância fundamental dos princípios da imedia­ ção e da oralidade, assenta, essencialmente, na necessidade de assegurar que a decisão seja tomada enquanto a designada “memória de trabalho”, de duração mais curta, retém a informação essencial. Esta decisão é a deliberação pelo tribunal de primeira instância porquanto o acórdão de uniformização de jurisprudência não se destinou a afastar, nem afastou, a jurisprudência do mesmo tribunal que negava (e continuou a negar) o efeito da perda de eficácia da prova no ato da leitura da sentença. Pelo contrário, estabilizou-se na jurispru­ dência, mesmo após a prolação do acórdão n.º 11/2008, o entendimento de que a regra da perda da eficácia da prova não se aplica ao período que medeia entre o encerramento da discussão e a leitura da sentença ou acórdão em primeira instância (neste sentido, Nuno Brandão, ob. cit. , p. 113). Assim, ao contrário do que refere o recorrente, é manifesto que os fundamentos do acórdão de uni­ formização de jurisprudência n.º 11/2008 não se referem às hipóteses a que se aplica a norma em causa no presente recurso. A diferença de regime que acabámos de assinalar decorre da diferente natureza e consistência dos momentos processuais em causa, relativamente à formação da convicção do juiz: no decurso da audiência, até ao encerramento da discussão, o juiz contacta com a prova, em diálogo permanente, complexo (porque referido aos diversos meios de prova), crítico e contraditório; após o encerramento da discussão, segue-se a deliberação que permite fixar as correlações principais entre os meios de prova e alcançar, ainda que proviso­ riamente, o juízo probatório fundamental; por fim, a fundamentação escrita da decisão corporiza, detalha­ damente, a ligação entre os meios de prova, a respetiva relevância e peso relativo na formação da convicção do juiz (ou do coletivo), momento a partir do qual o percurso argumentativo da decisão de facto e de direito fica definitivamente afirmado e aberto à impugnação, pelas partes, em sede de recurso. A partir da prolação da sentença ou acórdão, os princípios da continuidade da audiência, da concentração dos atos, da imediação

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