TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

296 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL lei que qualifica os factos como crime ou fixa as consequências jurídicas do crime. Nas palavras do Acórdão n.º 729/14: “[…] [O] recurso de constitucionalidade é um instrumento de fiscalização da constitucionalidade das leis, ou das interpretações que os tribunais, fazendo operar os critérios que regem o processo hermenêutico (artigo 9.º do Código Civil), delas extraem, e não um acrescido meio de sindicância da bondade do julgado, ainda que por intermédio de parâmetros constitucionais de apreciação. […]” (itálico acrescentado). 2.3. Está em causa, essencialmente, a norma do artigo 328.º, n.º 6, do CPP, com a seguinte redação: «[…] Artigo 328.º Continuidade da audiência (…) 6 – O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada. […].» Não se compreende em que medida a aplicação desta norma apenas aos atos que têm lugar perante o tribunal de primeira instância deixa de ter correspondência com a letra da lei (insistindo-se que só esta cor­ respondência aqui importa apurar, e não o melhor sentido da interpretação, com recurso a outros critérios), tanto mais que o preceito faz parte de um artigo com a epígrafe “continuidade da audiência”, do Livro VII do Código de Processo Penal, que respeita à fase de julgamento em primeira instância. Pelo contrário (e, uma vez mais, sem cuidar de saber qual a interpretação mais correta), muito mais afastada da letra da lei parece ser a interpretação que o recorrente pretendia ver adotada pelo tribunal de primeira instância, o que poderá ajudar a explicar o motivo pelo qual, na doutrina e na jurisprudência, não se encontra replicada. Aliás, como refere Nuno Brandão ( ob. cit. , p. 113, nota 30), na sequência da estabilização da jurispru­ dência relativamente à inaplicabilidade da regra da perda de eficácia da prova decorridos 30 dias ao período entre o encerramento da discussão e a leitura da sentença, “[…] do mesmo modo, e até por maioria de razão, nunca se admitiu que a reabertura da audiência ou a reelaboração da sentença na sequência de reenvio do processo para novo julgamento (art. 426.º) pudessem ser afetadas pelo disposto no artigo 328.º – cfr. ac. do STJ de 6 de novembro de 1996 (CJ STJ, 1996, III, p. 196 e segs.)” (itálico acrescentado). Não se verificando o alegado desfasamento entre o sentido da norma aplicada na decisão recorrida e os sentidos possíveis da letra da lei, tanto basta para concluir que não foi violado o princípio da legalidade criminal. 2.4. O recorrente sustenta, ainda, que a interpretação em causa viola o princípio da igualdade, embora com alguma imprecisão nos termos da comparação relevante. Refere, em síntese, que as razões que ditam a perda da eficácia da prova se mantêm depois da discussão, e alega que “[…] materialmente não há diferença. Os juízes são os mesmos, são humanos e comungam sempre – antes e após a discussão – das limitações de ordem neurofisiológica descritas no acórdão n.º 11/2008 […]”, considerando ser “[…] inadmissível o tra­ tamento e criação de estatutos jurídicos diferenciados sem motivo justificativo”, para concluir que “[…] é, pois, patente, que a norma cuja inconstitucionalidade se reclama viola frontalmente o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, na medida em que não há nenhuma razão de facto que permita concluir que, por razões de ordem neurofisiológica e da memória, o Tribunal não consegue assegurar o princípio da

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