TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

298 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Desde logo, é indefinido o termo de comparação: o recorrente não sustenta argumentativamente a desigualdade da sua posição jurídica face à posição de qualquer outro sujeito. Pelo contrário, a desigualdade estabelecer-se-ia sempre por referência ao mesmo sujeito, o arguido, entre o regime processual a que está sujeito em certo momento (durante a primeira discussão em primeira instância) e aquele a que fica sujeito em outro momento (após a decisão do tribunal de recurso). Para além de não ser tal construção idónea a aferir o parâmetro da igualdade (remetendo-nos unica­ mente para as garantias constitucionalmente previstas para o arguido em processo penal), as considerações já expendidas (cfr. item “2.1.” supra ) bastam para concluir que a apontada “diferença” de regime não é arbitrá­ ria, encontrando fundamento na específica função e utilidade de cada momento processual. Não ocorre, pois, qualquer violação do princípio da igualdade. 2.5. Por fim, o recorrente vem argumentar que a interpretação questionada “[…] viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva garantido no artigo 20.º, n.º 4, da CRP e as garantias de defesa do Arguido, previs­ tas no artigo 32.º da CRP, uma vez que o princípio da continuidade da audiência e da imediação asseguram a memória da prova produzida em julgamento pelo julgador, e, portanto, a afirmação de uma decisão justa”. Importa recordar, a este propósito, que apenas está em causa a repetição da audiência com um objetivo restrito: para suprir a nulidade decorrente da falta de documentação da prova. Tal documentação visa, antes de mais – com uma evidente dimensão garantística quanto ao arguido –, assegurar o pleno exercício do direito ao recurso respeitante à matéria de facto. Ainda que possa auxiliar o juiz na apreciação da prova em primeira instância, o certo é que, relativamente à prova que ficou devidamente documentada, nada impõe (nem o recorrente consegue justificar) a renovação dos atos probatórios, que apenas se reconduziria a uma repetição do julgamento. Relativamente à prova já apreciada e devidamente documentada, não se coloca, como é evidente, a questão de preservar a “memória de trabalho”, cujo resultado já se encontra na primitiva fundamentação em primeira instância. Tal circunstância não enfraquece a posição do arguido no processo. Ao contrário do que o recorrente parece afirmar, o tribunal não tem que reponderar toda a prova, mas apenas articular a prova (parcialmente) repetida com a apreciação anteriormente expressa e afirmada relativamente à restante prova. A conjugação dos juízos não exige que esta seja também renovada. O que importa assegurar (e foi assegurado) é que a primitiva audiência e aquela que se destina à renovação parcial da prova respeitem os assinalados princípios da continuidade, imediação e oralidade de modo a permitir ao tribunal perante o qual a prova é produzida (no todo ou em parte) uma decisão assente em apreciação efetiva e crítica dos meios de prova. Por outro lado, com a renovação (apenas) da prova não oportunamente documentada, todos os depoi­ mentos ficam gravados, podendo ser confrontados com a fundamentação da sentença, assim se possibili­ tando o recurso da matéria de facto em toda a sua extensão. Em suma, para além da afirmação com indisfarçável sabor a petição de princípio (a de que a interpreta­ ção em causa viola as suas garantias de defesa) e da pretensão de obter uma espécie de segunda oportunidade através de um novo julgamento integral, ambas irrelevantes para o juízo de inconstitucionalidade, o recor­ rente não demonstra qualquer afetação dos seus direitos no processo penal. Pelo contrário, resulta intocada a posição da defesa do arguido, que pôde participar e intervir nos atos processuais, propor e produzir provas, ser ouvido, contraditar os meios de prova, ser representado por defensor, e, enfim, recorrer em toda a exten­ são destes meios processuais. Aliás, sintomaticamente, foi no asseguramento de um efetivo direito ao recurso quanto à matéria de facto que se gerou, precisamente, a situação que o recorrente pretende (agora) aproveitar para construir a questão de inconstitucionalidade. Esquece-se, todavia, que essa garantia de uma atuante via de recurso, importando necessariamente a introdução de atos processuais adicionais, sempre se reper­ cutiria no fator tempo. Sendo esta uma consequência inevitável, não deixa de ocorrer num quadro geral de equilíbrio de valores, em que os hipotéticos problemas relacionados com o afastamento temporal entre atos processuais (dentro da teleologia do n.º 6 do artigo 328.º do CPP) sempre são fortemente contrabalançados por outros elementos processuais de efeito antagonista. É este o sentido – é este o valor – que se expressa na

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