TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017
317 acórdão n.º 118/17 dos recursos, designadamente quanto à possibilidade de recorrer para o Tribunal da Relação quanto à decisão sobre a matéria de facto fixada pelo tribunal coletivo (entendimento que estabilizou nos tribunais a partir do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, do STJ, que a fixou nos seguintes termos: “[a]pós as alterações ao Código de Processo Penal, introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, em matéria de recursos, é admissível recurso para o Tribunal da Relação da matéria de facto fixada pelo tribunal coletivo”). 3.1. A generalização, nos tribunais, dos meios técnicos necessários à gravação áudio (conjugada com a abertura da via do recurso para o Tribunal da Relação em matéria de facto das decisões de qualquer tri bunal, a partir das alterações introduzidas em 1998) conduziu a um certo reposicionamento interpretativo da norma relativa à documentação da prova: de regra de pendor tendencial, transformou-se em regra geral. Neste contexto, e uma vez que a redação do artigo 363.º do CPP emergente do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro (transcrita no começo do parágrafo anterior), não cominava expressamente a falta de documentação como nulidade, verificou-se uma divergência jurisprudencial quanto ao respetivo regime, designadamente se a irregularidade afetava o valor do ato praticado, só podendo ser sanada com a realização de novo julgamento, ou se, sendo insuscetível de ser conhecida oficiosamente, devia ser arguida, sob pena de se considerar sanada. Esta dúvida veio a ser superada pelo acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 5/2002, do STJ, que fixou o entendimento segundo o qual “[a] não documentação das declarações pres tadas oralmente na audiência de julgamento, contra o disposto no artigo 363.º do Código de Processo Penal, constitui irregularidade, sujeita ao regime estabelecido no artigo 123.º, do mesmo diploma, pelo que uma vez sanada, o tribunal já dela não pode conhecer”. Este regime obrigava os sujeitos processuais (incluindo o arguido) a suscitar a irregularidade decorrente da falta de documentação da prova na própria audiência, sentido normativo que o Tribunal Constitucional veio a apreciar no Acórdão n.º 208/03, no qual se decidiu não julgar inconstitucional a interpretação nor mativa dos artigos 123.º e 363.º do CPP que se traduz em considerar que a omissão de documentação das declarações orais prestadas em audiência perante o tribunal coletivo constitui mera irregularidade, que deve ser invocada até ao final da audiência. Importa, desde já, recordar o essencial dos fundamentos de tal decisão (na qual estava em causa recurso interposto pelo arguido): “[…] Do que antecede decorre que a resposta à questão de constitucionalidade que agora vem colocada depende da questão de saber se a imposição ao arguido de que suscitasse, durante a audiência perante o tribunal coletivo, o vício procedimental nela verificado e traduzido na omissão de documentação das declarações orais nela prestadas, traduz ou não uma ‘diminuição inadmissível, um prejuízo insuportável e injustificável’ (para usar as palavras do citado Acórdão n.º 61/88), das suas garantias de defesa. Julgamos, efetivamente, que não. Desde logo haverá que referir que a solução se justifica, manifestamente, por evidentes razões de celeridade e econo- mia processuais. Na realidade, não se perceberia que, agindo o arguido ou o seu defensor com a devida diligência e boa fé e tendo detetado o vício procedimental, ou tendo obrigação de o detetar, nessa fase processual, pudessem deixar que a audiência continuasse a decorrer como se nada de irregular se passasse, para só mais tarde, já em fase de recurso, o virem então invocar. Acresce – como, bem, evidencia o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na sua alegação – que a imposição ao arguido, necessariamente assistido no processo por um defensor, do ónus de invocar no decurso da audiência – que, no caso dos presentes autos, até se prolongou por vários meses – um vício procedimental que nela está precisamente a acontecer – e, que, portanto, não deveria passar despercebido a um acompanhamento diligente dessa fase proces sual – manifestamente não implica um cerceamento inadmissível ou insuportável das suas possibilidades de defesa que se tenha de considerar desproporcionado ou intolerável, em termos de consubstanciar solução constitucional mente censurável, na perspetiva do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
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