TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

321 acórdão n.º 118/17 Em suma, como indicam Germano Marques da Silva e Henrique Salinas [in Jorge Miranda e Rui Medeiros (org.), Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, pp. 735 e seguintes]: “[…] No que respeita ao exercício dos direitos que a lei processual atribui ao assistente decide-se, de modo idêntico, que o mesmo não pode sofrer restrições excessivas ou desproporcionadas – ou seja, o ofendido não pode ser privado ‘daqueles poderes processuais que se revelam decisivos para a defesa dos seus interesses’ – Acórdãos n. os 205/01 e 464/03 –, mas acrescenta-se que esta avaliação deve sempre ponderar a eventual restrição para as garantias de defesa do arguido – cuja proteção merece maior tutela, do ponto de vista constitucional – que pode resultar daquele exercício. […]” (itálico acrescentado). 6. O que até agora se referiu leva-nos a centrar o problema no sentido e razoabilidade da imposição do ónus de suscitação da nulidade no prazo de dez dias a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais. Ou seja, a incons­ titucionalidade da norma (por alegadamente contrariar o disposto nos artigos 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 7, da CRP) terá de decorrer do caráter arbitrário, excessivo ou desproporcionado de tal previsão. Ora, neste quadro referencial, deve entender-se que o complexo normativo aqui em causa, na interpre­ tação que vem sendo indicada, não ultrapassa aqueles limites. Tratando-se de um ónus responsabilizante da parte com ele onerada, não se posiciona como arbitrário, servindo óbvios interesses de economia processual, eficiência e, em geral, de racionalidade na utilização dos recursos dos tribunais. No caso de audiências que se prolonguem por inúmeras sessões e/ou digam respeito a vários sujeitos (arguidos e/ou ofendidos ou assistentes), esse interesse torna-se ainda mais premente, sério e atendível, perante a alternativa de invalidar uma, várias ou todas as sessões, em virtude de não ter sido verificada a regularidade das gravações. Por outro lado, não é arbitrária a mobilização dos sujeitos processuais potencialmente interessados num futuro recurso para realizar – melhor, ir realizando – tal controlo, visto que é na sua esfera que se projeta a utilidade da gravação. A norma em questão também não estabelece um ónus excessivo ou desproporcionado, exigindo um grau de disciplina e cuidado que reputamos de toleravelmente adequado à relevância do ato cuja regularidade se visa assegurar. A este propósito, deve sublinhar-se que, para a verificação da regularidade da gravação, não se exige uma completa análise crítica ou ponderação do respetivo conteúdo, mas apenas a constatação da disponibilidade e integridade do registo. O prazo de dez dias não se mostra desajustado, por exíguo, a essa verificação, nem é de molde a dificultar o exercício de qualquer direito ou faculdade processual. Aliás, prova de que assim é (de que não se trata de um prazo intoleravelmente condicionador da faculdade de atuação da parte), obtém-se logo nas incidências do caso concreto: o recorrente, como se relata no item 1.1. supra, tendo recebido as gravações (as gravações de todo o julgamento) no dia 1 de abril de 2011, logrou determinar as respetivas deficiências em 4/5 dias, invocando essa questão junto do Tribunal no dia 6 de abril de 2011. Assim, e consequentemente, não pode afirmar-se que o ónus identificado inviabilize ou condicione substan­ cialmente o direito ao recurso em matéria de facto ou qualquer outro de que o assistente possa ser titular para afirmação dos seus interesses no processo. Não se afigura relevante para apreciar a presente questão de constitucionalidade o argumento de que a verificação das gravações deveria ser tarefa do Estado ou, genericamente, “dos tribunais”. Trata-se de uma ideia que pode nortear o legislador num ou noutro sentido, enquanto motivo a ponderar no traçado da polí­ tica legislativa, mas, não traduzindo – como efetivamente não traduz – uma imposição da Lei Fundamental, desloca a discussão – concretamente a que se trava a respeito da atuação processual do ofendido – para o plano (exterior ao presente recurso) das melhores soluções legislativas e da boa interpretação da norma legal. Pelo contrário (reafirma-se), o que ora importa apurar é se a dita regra contraria algum princípio ou norma da Constituição.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=