TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

344 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O poder que a norma atribui ao Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território é um poder de decisão individual e concreta: declarar a utilidade pública expropriativa de determinados imóveis. Por isso, para aferir da constitucionalidade da titularidade desse poder não é convocável a norma constitucional que reserva à Assembleia da República o regime geral da expropriação por utilidade pública [artigo 165.º, n.º 1, alínea e), da CRP], nem a norma que atribui poder regulamentar às autarquias locais (artigos 247.º e primeira parte do n.º 4 do artigo 65.º da CRP). Assim, o parâmetro mobilizado para aferir da constitucionalidade da competência ministerial para declarar a utilidade pública expropriativa é o princípio da autonomia local, consagrado nos artigos 6.º, n.º 1, e 235.º, n.º 2, da CRP. 9.2. A autonomia local aparece no artigo 6.º, n.º 1, da Constituição como um dos pilares fundamentais em que assenta a organização territorial da República Portuguesa, associada com o princípio da subsidia­ riedade e a descentralização administrativa; e no artigo 235.º estabelece-se que a «organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais», que são «pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas». Está, pois, garantida a nível constitucional existência de uma administração local autárquica autónoma, com o objetivo de prossecução dos interesses próprios das populações respetivas. O Tribunal Constitucional já explicitou, por diversas vezes, o seu entendimento sobre o alcance da garantia institucional da autonomia local. Nas palavras do Acórdão n.º 432/93, são os interesses próprios das populações que «(…) justificam a autonomia e porque a justificam delimitam-lhe o conteúdo essencial. Eles entranham as razões de proximi­ dade, responsabilidade e controlabilidade que proporcionam a auto-organização. O espaço incomprimível da autonomia é, pois, o dos assuntos próprios do círculo local, e “assuntos próprios do círculo local são apenas aquelas tarefas que têm a sua raíz na comunidade local ou que têm uma relação específica com a comunidade local e que por esta comunidade podem ser tratados de modo autónomo e com responsabilidade própria” (…). Isso não implica que as autarquias não possam ou não devam ser chamadas a uma atuação concorrente com a do Estado na realização daquelas tarefas. O “paradigma social do Direito” (Habermas) aponta mesmo para uma política de cooperação e de intervenção de todas as instâncias com imediata possibilidade de reali­ zarem as imposições constitucionais».  E no recente Acórdão n.º 494/15 afirmou-se que «(A) prossecução dos interesses próprios das popu­ lações locais pelas autarquias tem que ser conjugada com a prossecução do interesse nacional pelo Estado. De facto, como o Tribunal Constitucional já afirmou, «como as autarquias locais integram a administração autónoma, existe entre elas e o Estado uma pura relação de supraordenação-infraordenação, dirigida à coor­ denação de interesses distintos (os interesses nacionais, por um lado, e os interesses locais, por outro), e não uma relação de supremacia-subordinação que fosse dirigida à realização de um único e mesmo interesse – o interesse nacional, que, assim, se sobrepusesse aos interesses locais» (Acórdão n.º 379/96, n.º 5.3.). (…). Sendo certo que «as atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei» (artigo 237.º, n.º 1, da Constituição), é nesse contexto que o legislador deve balancear a prossecução de interesses locais e do interesse nacional ou supralocal, gozando de uma vasta mar­ gem de autonomia. No entanto, ao desempenhar essa tarefa, «o legislador não pode pôr em causa o núcleo essencial da autonomia local; tem antes que orientar-se pelo princípio da descentralização administrativa e reconhecer às autarquias locais um conjunto de atribuições próprias (e aos seus órgãos um conjunto de com­ petências) que lhes permitam satisfazer os interesses próprios (privativos) das respetivas comunidades locais» (Acórdão n.º 379/96, n.º 5.2., e Acórdão n.º 329/99, n.º 5.4.)». Sobre o critério de separação entre atribuições e competências do Estado e atribuições e competências das autarquias locais, explicitou-se ainda, no Acórdão n.º 296/13, que «(…) não existe uma separação cons­ titucionalmente estabelecida, estanque e inflexível de atribuições do Estado e das autarquias, fundada numa distinção material rígida entre assuntos locais – que competiriam inteiramente e em exclusivo às autarquias

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