TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

345 acórdão n.º 137/17 – e assuntos nacionais. Significa isto que «a separação nítida entre a zona dos interesses nacionais e a zona dos interesses locais, como se de dois compartimentos estanques se tratasse, já só subsiste em alguns casos. É errado dizer que desapareceu por completo; mas deixou de corresponder à grande maioria dos casos» (…) A autonomia local é, assim, em larga medida, uma autonomia sub legem – o que tem importantes consequên­ cias no que respeita à definição e à densificação das atribuições e das competências administrativas das autar­ quias locais. O âmbito da autonomia administrativa varia em função das opções do legislador democrático, permitindo o acolhimento de diversas formas de articulação entre Estado e autarquias. Um dos domínios que não pode pertencer em exclusivo às autarquias locais, uma vez que incide sobre matérias que têm que ser prosseguidas em conexão com o interesse nacional, devendo estar aberto à inter­ venção concorrente das autarquias locais e do Estado, é o da «promoção habitacional, do ordenamento do território, urbanismo e gestão do ambiente». No Acórdão n.º 432/93, o Tribunal explicitou um entendi­ mento jurisprudencial, já iniciado no Parecer n.º 3/82 da Comissão Constitucional (publicado em Pareceres da Comissão Constitucional, 18.º vol., p. 141), que vem sendo seguido desde então – o de que as decisões nestas matérias «não são privativas das autarquias (…) porque respeitam ao interesse geral da comunidade constituída em Estado. Estas matérias transcendem o universo dos interesses específicos das comunidades locais, aquele mesmo que se desenvolve num horizonte de proximidade, participação, controlabilidade e autorrresponsabilidade e que funda a legitimação democrática do poder local». 9.3. A lei atribui aos Municípios o poder expropriativo no que toca às expropriações de iniciativa da administração local autárquica, para efeito de concretização de plano de urbanização ou plano de pormenor, sendo a competência para declarar a utilidade pública cometida às assembleias municipais (artigo 14.º, n. os 2, 3 e 4, do CE). Como refere Alves Correia, esse poder expropriativo «pode ser visto como uma expressão do princípio constitucional da autonomia dos municípios (cfr. os artigos 6.º, n.º 1, e 237.º da Constituição), do qual pode resultar, no campo do direito do urbanismo, o reconhecimento pelo legislador de uma certa liberdade de escolha pelos mesmos dos instrumentos jurídicos necessários à execução dos planos de urbanização e dos planos de pormenor (planos estes elaborados e aprovados pelos municípios, incluindo o recurso à expropria­ ção» (“A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações de Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 132, p. 328). Mas as expropriações por utilidade pública podem transcender o universo dos interesses específicos das comunidades locais, incidindo sobre matérias, como o ordenamento do território, urbanismo e ambiente, que têm conexão com o interesse nacional. O Programa Polis é disso um bom exemplo, pois nem é privativo do poder local, nem se reveste de caráter exclusivamente municipal. Pelo contrário, a Lei n.º 18/2000, de 10 de agosto, autorizou o Governo a declarar o relevante interesse público nacional da realização das interven­ ções aprovadas ao abrigo do Programa Polis e dos projetos de reordenamento urbano daí resultantes, o que foi especificado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 314/2000, de 2 de dezembro: «A realização das intervenções aprovadas ao abrigo do Programa Polis e projetos de reordenamento urbano daí resultantes reveste-se de relevante interesse público nacional, como instrumentos de reordenamento urbano, valorização urbanística e ambiente de espaços urbanos». Porém, o interesse nacional do Programa Polis e dos respetivos projetos de reordenamento urbano não se sobrepõe totalmente aos interesses próprios das comunidades locais. Para além de estarem envolvidos na execução do Programa, através da participação no capital social das sociedades gestoras responsáveis pela execução dos projetos, são os Municípios que elaboram o plano estratégico, que define a sequência de atos e especifica as áreas e a natureza das intervenções a realizar a nível local (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 186/2000, de 11 de agosto); e são as Assembleias Municipais que aprovam os planos de pormenor e os planos de urbanização de cada uma das zonas de intervenção elaborados pelas sociedades gestoras da execu­ ção do Programa (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 314/2000, de 2 de dezembro).

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