TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

349 acórdão n.º 137/17  Portanto, num domínio em que está em causa a limitação de direitos fundamentais, não se pode afirmar que a qualificação da expropriação como urgente é uma matéria sobre a qual o legislador não pode intervir, por caber em exclusivo às entidades expropriantes o poder de decidir sobre ela. Apesar da urgência expro­ priativa requerer maior proximidade à situação concreta da entidade que decide, a fim de valorar e ponderar a necessidade de agir rapidamente, e de muitas vezes o legislador não ser capaz (ou ser praticamente impos­ sível) de valorar de antemão os factos concretos que a suscitam, nada impede que a urgência expropriativa seja declarada sobre a forma de lei, desde que não sejam violados os princípios constitucionais da igualdade, proibição do arbítrio e da proporcionalidade. 3. Os recorrentes alegam que “não pode ser constitucionalmente admissível que se atribua, abstrata, genérica e automaticamente, urgência e utilidade pública a uma expropriação sem ter devidamente em conta as concretas circunstâncias de facto que contextualizam aquela expropriação, quando está em causa o direito fundamental, com uma importante dimensão garantística da propriedade privada dos expropriados”, concluindo assim que “ a dispensa da elaboração daquele juízo de ponderação por parte da entidade expro­ priativa traduzir-se-á numa verdadeira afronta ao caráter garantístico do direito fundamental consagrado no n.º 2 do artigo 62,º da CRP, e nesses termos, uma violação desse preceito constitucional”. Com esta argumentação, o problema que se levanta e que precisa de ser resolvido consiste em saber se o artigo 62.º proíbe ou não que a urgência expropriativa revista forma de lei. De facto, quando os recorrentes invocam que o “juízo de ponderação” das situações de urgência só pode ser efetuado em cada caso concreto pela entidade expropriante e não em abstrato, ao nível legislativo, estão a considerar que o ato declarativo da urgência apenas pode resultar de uma atuação da administração. Ora, colocada a questão neste plano, desde logo, impõe-se conhecer se a expropriação referida no n.º 2 do artigo 62.º da CRP – urgente ou não urgente – tem um caráter puramente administrativo ou se também pode resultar da lei. Poder-se-ia entender que a Constituição, ao acolher no n.º 2 do artigo 62.º o conceito clássico e tradi­ cional de “expropriação”, tal como definido no direito civil e administrativo, consagra uma verdadeira reserva de administração, insuscetível de “expropriação” por parte da lei. Com efeito, naquele sentido, os efeitos ablatórios da propriedade privada e a consequente transferência para o património do Estado ou de outra entidade pública resultam direta e imediatamente de um ato administrativo e não de ato legislativo. E se assim é, sob pena de se desvirtuar o conceito, a expropriação não poderia ser declarada diretamente pela lei. Todavia, independentemente de se saber se há um conceito constitucional de expropriação mais amplo do aquele, certo é que, como refere Maria Lúcia Amaral, «a Constituição não concebe o fenómeno expro­ priatório com um quid reservado à administração», valendo o conceito «tanto para os sacrifícios graves e especiais que sejam impostos por ato administrativo quanto para aqueles que decorram direta e imediata­ mente da lei» ( Responsabilidade do Estado e Dever de Indemnizar do Legislador, Coimbra Editora, p. 577). Por conseguinte, os efeitos jurídicos de privação da propriedade previstos naquela norma constitucional não têm que ser sempre produzidos por ato administrativo, podendo operar-se por efeito direto da lei, caso em que a autorização para se proceder à privação da propriedade reside na própria lei expropriatória.  Ora, se a expropriação prevista no artigo 62.º, n.º 2, compreende a “expropriação legal”, como também defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Anotada , Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pp. 807 e 808), nenhuma razão há para se entender que aquela norma impede a urgência expropria­ tiva de revestir a forma de lei. No plano constitucional nada impede que o poder expropriatório e o poder de declarar a urgência expropriativa sejam exercidos diretamente pelo legislador. O decisivo é que, num caso e no outro – privação da propriedade e urgência expropriativa –, a via legislativa, para além de observar as exigências do artigo 18.º da CRP, seja devidamente justificada por razões de interesse geral. Por outro lado, como refere Gomes Canotilho, «não há qualquer norma constitucional que vede à lei poder disciplinar determinadas matérias (reserva dita material) ou regular qualquer matéria de determinado modo (reserva estrutural)» ( Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª edição, Almedina, p. 733). Da Constituição não se extrai uma reserva de decisão a favor da Administração que não assente numa norma

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