TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

350 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL jurídica específica que lhe conceda liberdade para agir. Por força do princípio da legalidade, consagrado no n.º 2 do artigo 266.º, a discricionariedade e a margem de livre apreciação constituem sempre um resultado da vontade do legislador. Por isso, a autonomia concedida às entidades administrativas expropriativas através da concessão de poderes discricionários ou do preenchimento de conceitos indeterminados, como é o caso da urgência, não é objeto de qualquer reserva da administração imune à ingerência do poder legislativo. Como refere Paulo Otero, «a lei pode dispor primariamente sobre todas as matérias, relações e situações respeitantes à implementação do bem-estar (= força de lei material positiva), inexistindo qualquer área administrativa imune à lei ou reservada exclusivamente à Administração» ( O Poder de Substituição Em Direito Administra- tivo. Enquadramento Dogmático-Constitucional , Vol. II, Lisboa, 1995, p. 600). No mesmo sentido, o Tribu­ nal Constitucional tem recusado a existência no ordenamento jurídico-constitucional de uma reserva geral de administração, ou seja, de um “núcleo essencial” de atividade administrativa sobre a qual o legislador não possa dispor (Acórdãos n. os 461/87, 1/97 e 24/98). O facto de se poder reconhecer à Administração um espaço de liberdade para avaliar a urgência da expropriação, dada a maior proximidade à situação concreta, não legitima que daí se deduza qualquer proibi­ ção de predeterminação legislativa da urgência. Mesmo que se aceitasse uma “reserva de ato concreto” a favor dos órgãos administrativos, ou seja, um espaço de autonomia decisória que não pode ser “usurpado” pela lei, não se poderia concluir que a norma do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 314/2000 invadiu tal reserva, postergando os direitos constitucionais e legais administrados, designadamente o direito de audiência dos interessados e o direito à fundamentação expressa dos atos administrativos. Com efeito, a norma que se limita a dizer que às expropriações dos imóveis localizados nas zonas de intervenção do Programa Polis «é atribuído caráter urgente» não constitui uma decisão individual e concreta que tem por efeito a declaração da utilidade pública urgente de um determinado imóvel – DUP – mas apenas a tipificação legal do caráter urgente da declaração de utilidade pública e do respetivo procedimento expropriativo. A declaração da urgência pela própria lei naturalmente que exige ser concretizada por ato administrativo que individualize os bens a expropriar, valendo esse ato como declaração de utilidade pública para os efeitos do Código das Expropriações (artigo 10.º, n.º 2, do CE). Se bem que a forma legislativa para a prática de um ato administrativo não provoca qualquer diminuição dos direitos e garantias dos adminis­ trados (artigo 268.º, n.º 4, da CRP), a norma em crise também não constitui uma manipulação abusiva da forma de ato administrativo administrativo não provoca qualquer diminuição dos direitos e garantias dos administrados (artigo 268.º, n.º 4, da CRP), a norma em crise também não constitui uma manipulação abu­ siva da forma de ato administrativo, uma vez que não individualiza quais os bens concretos que são objeto de expropriação. 4. Ora, o acórdão recorrido apreciou a desconformidade da norma com o princípio da proporcionalidade sem que antes tivesse conhecido da possibilidade constitucional da urgência expropriativa ope legis . Se fosse de concluir, como entendem os recorrentes, que a Constituição veda ao legislador determinar expropriações urgentes, não era sequer necessário verificar se a medida era desadequada, desnecessária ou desproporcional.  Por outro lado, ao não se conhecer daquela questão, por se considerar que o «legislador não caracteri­ zou genericamente como urgentes, no sentido jurídico-administrativo, todas e cada uma das expropriações a realizar no âmbito do Programa Polis », o acórdão carece de qualquer utilidade para o julgamento da ilegali­ dade da declaração de utilidade pública por falta de fundamentação da urgência expropriativa. Com efeito, a norma a que vem reportado o recurso de inconstitucionalidade foi efetivamente aplicada no sentido de que a declaração de utilidade pública e o procedimento expropriativo dos prédios localizados na zona do Programa Polis são urgentes, qualificação que, no entender do tribunal recorrido, por si só suporta a fundamentação das concretas declarações de utilidade pública. Assim, o sentido normativo enunciado no requerimento de interposição de recurso, correlacionado com a norma ou normas que o tribunal a quo considerou terem efe­ tiva aplicação no caso concreto, impõe que o controlo de constitucionalidade incida sobre urgência ope legis . Ora, o sentido considerado pela maioria não corresponde ao sentido normativo delimitado pelos recorrentes,

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