TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

373 acórdão n.º 155/17 efectiva ao serviço prestado, em particular quando, como é o caso dos autos, para além da distribuição dos autos e da realização da citação dos RR., veio apenas a ser proferida sentença homologatória da desistência do pedido, que não mereceu nenhum recurso ou impugnação. Aliás, segundo cremos, esta conclusão impôe-se, não só perante a interpretação dos artigos 6.º, 11.º, 14.º e 22.º do Regulamento das Custas Processuais (na redacção emergente do DL n.º 52/2011) que conduz ao apuramento de um montante de custas a cargo da Autora que ascende a € 327 756, 60, como, ainda, na interpretação dos mes­ mos preceitos que, efectuando a conversão por referência ao montante total da taxa de justiça (e não por referência apenas à taxa de justiça efectivamente paga), conduz, ainda assim, a um valor a pagar que ascende, no caso dos autos, a cerca de € 108.477, 00 (!!), conforme cálculo supra efectuado pela secção de processos. E tais consequências decorrem, como se vê, da aplicação estrita de critérios legais associados praticamente só ao valor da causa, retirando ao juiz uma qualquer intervenção equilibradora ou reguladora dos valores a cobrar a título de custas em função do concreto processado. Neste sentido, ensinam Jorge Miranda, Rui Medeiros, in Constituição da Portuguesa Anotada , tomo I, 2005, p. 183 que « ... um método de custas variável (como é o nosso) estritamente dependente do aumento directo do valor da acção, sem um (outro) limite moderador, pode na prática acarretar a imposição de um sistema de custas excessivas, inaceitável face ao artigo 20.º.» Com efeito, como já se expôs antes, uma tal interpretação dos citados artigos 6.º, 11.º, 14.º e 22.º do Regu­ lamento das Custas Processuais ( i. é. , a interpretação que sustenta a conversão por referência ao montante total da taxa de justiça e não por referência apenas à taxa de justiça efectivamente paga), ainda que se traduza numa subs­ tancial redução das custas a pagar (de € 327 756, 60 para € 108 477), traduz-se, ainda assim, num valor que não tem uma qualquer correspondência, em termos de contrapartida razoavelmente justa e equilibrada, aos serviços judiciais prestados no âmbito destes autos. De facto, para lá da distribuição dos autos em juízo, da citação ordenada por despacho a fls. 41 e concretizada a fls. 42 a 52, e da sentença homologatória da desistência do pedido formulado pela aqui Autora a fls. 56, nada mais foi praticado nos autos (salvo, obviamente, a presente reclamação). Assim, segundo cremos, tributar-se por tais serviços um valor de € 327 756, 60 ou até um valor de € 108 477 (a que acrescerá, ainda, o valor de € 1468,80, pago ab initio pela Autora como taxa de justiça inicial – fls. 36) traduz-se claramente numa interpretação violadora do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio consti­ tucional do Estado de direito consagrado no art. 2.º da nossa Lei Fundamental. Na verdade, como já salientámos, uma tal tributação não se mostra adequada, nem proporcional aos fins do sistema de custas, qual seja de exigir dos utentes do sistema de Justiça o pagamento justo e equilibrado pela uti­ lização dos respectivos serviços, sendo certo que, como se sabe, a utilização do sistema de Justiça não se assume como um sistema de acesso gratuito, sem prejuízo dos mecanismos de apoio aos que, comprovadamente, sofram de insuficiência económica para suportar tais custos no acesso ao sistema de Justiça (sistema de apoio judiciário). Neste sentido, e em situação com alguma similitude com o caso dos autos, refere-se no AC RL de 3.07.2012, processo n.º 741/09.7TBCSC.L2-7, relator Luís Lameiras, in www.dgsi.pt que «...interpretações jurídicas (ou interpretações normativas) conducentes, na prática, à inibição do recurso de interessados aos tribunais, por causa da imposição de um volume de custas desproporcionado em face dos benefícios concretos que eles pretendam obter, hão-de considerar-se materialmente inconstitucionais.» Dirimida e decidida assim da inconstitucionalidade dos aludidos artigos 6.º, 11.º, 14.º e 22.º do Regulamento das Custas Processuais, em qualquer das aludidas interpretações e no caso concreto dos autos e do seu específico processado, a questão que se coloca é já a de saber que solução legal aplicar ao caso « sub judice », isto é que norma(s) ou interpretação a efectuar no caso dos autos. Vejamos. A interpretação ou solução normativa que o caso exige será a interpretação ou solução normativa mais con­ forme aos já citados princípios constitucionais do acesso ao direito e, sobretudo, do princípio da proporcionali­ dade, entendido e aplicado este no sentido de que a tributação a cargo do utente do sistema de Justiça deverá ser justa e equilibrada, correspondendo aos concretos serviços solicitados e prestados em juízo.

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