TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

398 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Tal ordem de considerações – que colocam no interior do espaço de liberdade de conformação do legis­ lador ordinário a definição do regime dos desvalores jurídicos do ato administrativo −, associada à razão de ser da sujeição da generalidade das invalidades à consequência da mera anulabilidade – que se caracteriza, conforme se viu, por facultar a consolidação dos efeitos produzidos pelo ato viciado através da fixação de um prazo, relativamente curto, para a sua impugnação −, deixa antever, desde já, a viabilidade constitucional da dimensão normativa impugnada. Para além de constituir o resultado de uma opção que se inscreve na margem de discricionariedade do poder legislativo, a limitação do âmbito da nulidade à deliberação camarária que determina o lançamento de um tributo ilegal, sem possibilidade da sua comunicação ao ato de liquidação respetivo – que é meramente anulável −, corresponde a uma forma de compatibilização do interesse particular do contribuinte afetado – que o poderá impugnar dentro do prazo para o efeito fixado − com o interesse público na estabilidade e na irreversibilidade das receitas cobradas, ambas essenciais à possibilidade de planeamento das múltiplas atividades desenvolvidas pelos municípios e daquela forma financiadas, sem o risco adveniente da eventual redução, a todo o momento, do valor para o efeito disponível. Se o ato de liquidação do tributo fosse nulo – e não meramente anulável −, isso significaria que o vício seria insanável, podendo o ato ser a todo o tempo impugnado por qualquer um dos contribuintes a quem o tributo tivesse sido já cobrado (cfr. artigo 134.º, n.º 2, do CPA antigo) ou até mesmo por todos; as receitas a esse título já arrecadadas tornar-se-iam, então, contingentes e precárias, o mesmo sucedendo com a possibi­ lidade de concretização do amplo conjunto de atividades e prestações através delas financiadas. Já reservando a nulidade para a deliberação dos órgãos dos municípios e/ou freguesias que determi­ nem o lançamento de um tributo não previsto na lei – com o que se assegura a possibilidade de, a todo o momento, ser eliminada da ordem jurídica a fonte da obrigação tributária – e tornando os atos de liquidação meramente anuláveis – com o que se faculta ao contribuinte afetado a possibilidade de proceder à respetiva impugnação dentro do prazo resultante do artigo 123.º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de abril (a que corresponde o artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, e atualmente em vigor) ou, em caso de cobrança coerciva, até ao termo do prazo de oposição à execução fiscal (cfr. artigos 285.º e 203.º dos referidos diplomas, respetivamente) −, o legislador torna possível a compatibilização dos interesses con­ flituantes que concorrem no caso, fazendo-o em termos, além do mais, inteiramente conformes ao critério geral que informa, de modo prevalecente, o ordenamento jurídico-administrativo. Sendo esta a conclusão que decorre do enquadramento que começou por expor-se, ver-se-á em seguida que a mesma não se altera no plano da confrontação da solução impugnada com os parâmetros expressa­ mente invocados para justificar a sua invalidação – o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, em particular dos administrados, decorrentes dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, o direito de propriedade, consagrado no artigo 62.º, e, por último, o direito de não pagamento de impostos, previsto no artigo 103.º, n.º 3, todos da Constituição. 16. No âmbito da invocação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, o argumento articulado pela recorrente pode sintetizar-se da seguinte forma: implicando aquele princípio que “se tratem de forma igual situações substancialmente iguais, proibindo ainda que se tratem de forma igual situações que, por serem substancialmente desiguais, exijam tratamento diferenciado”, é “manifesta a inconstituciona­ lidade do sentido normativo atribuído aos artigos 2.º/4 da Lei 42/98, e 1.º/4 da Lei 1/87”, já que assim se permitiria que, “em situações absolutamente iguais e sem fundamento material bastante, a CMP aplicasse as taxas urbanísticas em causa à ora recorrente, e não a outros requerentes de operações urbanísticas, com base na inconstitucionalidade do RMO e TTL da CMP, tratando de forma desigual situações substancialmente idênticas (vide artigo 13.º da CRP)”.

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