TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

400 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Nas situações em que a liquidação ainda não ocorreu, a perpetuação do estado de incerteza sobre a vali­ dade do tributo não tem, obviamente, o mesmo significado: neste caso, a perspetiva do órgão da freguesia ou município é apenas a de vir a cobrar a taxa ou o imposto lançado – e não a de poder dispor da receita já arrecada –, o que é insuficiente para que se lhe possa ter seguido um plano de ação consistente ou verdadei­ ramente frustrável em caso de invalidação do correspondente ato de lançamento. Para além de conforme ao critério subjacente à categorização das invalidades administrativas acolhido pelo ordenamento jurídico, a diferenciação contida na norma impugnada traduz, em suma, uma fórmula de conciliação dos interesses conflituantes em caso de lançamento e subsequente liquidação de taxas camarárias sem previsão legal, fórmula essa que, por não ser, conforme se viu, destituída de fundamento, é insuscetível de qualquer censura à luz do princípio da igualdade. 17. Para a recorrente, a interpretação dos artigos 1.º, n.º 4, da Lei n.º 1/87, de 6 de janeiro, e 2.º, n.º 4, da Lei n.º 42/98, de 6 de agosto, no sentido de que a nulidade não atinge “os atos de liquidação dos tributos aí mencionados”, mas apenas as “deliberações que determinaram o seu lançamento” –, interpretação essa que fundamentou a procedência da exceção de caducidade do direito à impugnação invocada pelo aqui recorrido e aceite pelas instâncias –, é ainda incompatível com os princípios constitucionais do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrados no artigo 20.º, n. os 1, 4 e 5, da Constituição, em cujo âmbito se inclui o direito à impugnação de quaisquer atos da administração que lesem direitos ou interesses dos particulares especificado no artigo 268.º, n.º 4, da Lei Fundamental. Na perspetiva seguida pela recorrente, ao recusar a sujeição do ato de liquidação de uma taxa camarária não prevista na lei à nulidade cominada para a deliberação subjacente ao respetivo lançamento – e, com isso, a possibilidade da sua impugnação a todo o tempo –, o tribunal a quo perfilhou uma interpretação restritiva dos artigos 1.º, n.º 4, da Lei n.º 1/87, de 6 de janeiro, e 2.º, n.º 4, da Lei n.º 42/98, de 6 de agosto, que “limita ainda, contra legem , o direito de acesso à Justiça e à tutela jurisdicional efetiva (...)”; estes imporão – ainda segundo a recorrente – a possibilidade de impugnação a todo o tempo dos próprios atos de liquidação, incluindo os referentes a tributos já cobrados, sem possibilidade de fixação de qualquer prazo para a invocação da respetiva invalidade. Deste ponto de vista – conclui –, serão de rejeitar “critérios legais e jurisprudenciais que estabeleçam requisitos limitativos do acionamento da garantia da impugnação judicial”, devendo, ao invés, assegurar-se, «“por força dos princípios antiformalista, « pro actione » e « in dubio pro habili- tate instanciae » ou « in dubio pro favoritate instanciae » (...) “a possibilidade de exercício dos direitos processuais dos interessados e não optar por uma interpretação que conduza à impossibilidade de ser assegurada tutela judicial da sua pretensão”». Estando em causa a determinação do sentido e alcance do direito de acesso aos tribunais, importa come­ çar por notar que o problema não é novo na jurisprudência constitucional. De acordo com a orientação sufragada no Acórdão n.º 440/94, pode dizer-se que o âmbito normativo do direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, implicando naturalmente a garantia de uma pro­ teção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, se ancora em quatro diferentes dimensões: “ (a) o direito de ação no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fun­ damentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos pré-estabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas”.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=