TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

402 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental” – o que foi, de resto, ponderado pelo tribunal recorrido. Em suma: não só a solução contida na norma sob julgamento não exclui a possibilidade de impugnação, por outra via, do ato de liquidação da taxa questionada, como o tipo de sindicância que diretamente faculta, na medida em que apenas encontra limite na sujeição do correspondente direito de ação ao prazo que integra o regime geral da mera anulabilidade, corresponde a uma forma de tutela insuscetível de ser censurada à luz do princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva. 18. Uma vez aqui chegados, resta aferir da compatibilidade da norma impugnada com o chamado direito de resistência em matéria fiscal (cfr. Maria Margarida Mesquita, Dicionário Jurídico da Administração Pública, 1.º Suplemento, Lisboa, 1998), extraível dos artigos 21.º e 103.º, n.º 3, da Constituição, bem como com o direito de propriedade, consagrado no artigo 62.º da Lei Fundamental. Ao estabelecer que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retractiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei», o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, consagra, conforme sabido é, o denominado direito de resistência em matéria fiscal. Não podendo dispor de um âmbito ou alcance superior àquele que é consensualmente reconhecido ao direito geral de resistência a que alude o artigo 21.º da Constituição, o direito de resistência em matéria fiscal inclui apenas o direito de resistência passiva – isto é, o direito de não pagamento de impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição e das leis −, e o direito de resistência defensiva, enquanto direito de defesa perante qualquer tentativa de cobrança coerciva levada a cabo pela entidade competente (no caso, do município ou freguesia) de tributos não previstos na lei. Embora a sua eficácia se estenda por isso à fase de cobrança coerciva – no âmbito da qual, conforme reconhecido na própria decisão recorrida, se assume como o direito de oposição à execução fiscal, a exercer nos termos consentidos pelo artigo 285.º Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de abril, e 203.º da versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, e atualmente em vigor −, o direito consagrado no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição é sempre um direito de não pagamento de impostos criados de forma inconstitucional, ou liquidados e/ou cobrados com inobservância das formas prescritas na lei, e não, sequer também, um direito ao reembolso ou à restitui­ ção do valor correspondente a tributos já pagos, cujo ato de lançamento venha a ser declarado ulteriormente inválido. Por força de tal diferenciação – à qual se encontra subjacente a mesma exata ponderação de interesses que, do ponto de vista do desvalor a cominar em caso de invalidade, se viu já fundamentar a distinção entre ato de lançamento nulo e ato de liquidação meramente anulável −, nenhuma injunção extraível do parâme­ tro agora considerado tem um sentido ou significado suficiente para permitir pôr em causa a conclusão que resultou já da confrontação da norma impugnada com os princípios da igualdade e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, tanto mais que, mesmo enquanto direito ao não pagamento de impostos ilegais, o direito de resistência fiscal é um direito a exercer jurisdicionalmente, através das formas e dentro dos prazos estabelecidos nas leis processuais aplicáveis. O mesmo vale, mutatis mutandis , quanto à alegada violação do direito de propriedade, consagrado no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição. Com efeito, quer sejam entendidas como efetivas restrições ao direito de propriedade, quer como meros condicionamentos implícitos desse direito, as obrigações tributárias não se encontram obviamente excluídas, quanto à possibilidade da sua imposição, pelo artigo 62.º da Constituição, sendo igualmente seguro que este não confere ao contribuinte que efetuou o pagamento de uma taxa ou um imposto ilegal uma qualquer expectativa de reembolso ou reparação cuja invocação pudesse constituir fundamento idóneo para negar ao

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=