TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

406 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV – Embora seja essencialmente correta e deva ser reiterada, a conclusão a que o Tribunal chegou no Acórdão n.º 85/13 – e na jurisprudência anterior na qual aquele largamente se baseia –, não merecem adesão a primeira e a segunda premissas do argumento: (i) a de que o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, encerra uma proibição absoluta da retroatividade em matéria fiscal; e (ii) a de que o âmbito de aplicação da proi­ bição constitucional da retroatividade fiscal se contém nos limites da retroatividade autêntica; em suma, em causa está o entendimento segundo o qual a garantia constitucional contra a retroatividade da lei fiscal é simultaneamente de âmbito restrito – porque confinada ao domínio da retroatividade autêntica – e de carácter absoluto – porque exclui a graduação da ofensa concreta que o encargo fiscal retroativo representa para o princípio da proteção da confiança e a ponderação desse sacrifício com eventuais razões de justiça tributária ou de interesse público nas quais aquele possa encontrar justificação. V – A questão que se coloca quanto ao artigo 103.º, n.º 3, da Constituição é a de saber se este preceito deve ser interpretado como consagrando uma regra ou um princípio de proibição da retroatividade em matéria fiscal, distinção que se traduz no seguinte: se uma norma tem a natureza de regra, a sua lógica de aplicação é basicamente mecânica, pelo que, verificados os respetivos pressupostos, a regra dispõe sobre o caso em termos definitivos; se uma norma tem a natureza de princípio, a sua lógica de aplicação é basicamente valorativa, implicando um juízo de ponderação. VI – A questão de saber se a norma contida em certo(s) preceito(s) é uma regra ou um princípio é uma questão de interpretação; no que diz respeito ao artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, para determinar se a proibição constitucional da retroatividade em matéria fiscal constitui uma regra ou um princípio, é necessário considerar as principais virtudes de cada um desses tipos normativos, e ponderá-las segundo os métodos próprios da interpretação constitucional; as regras têm essencialmente as virtudes da legiti­ midade política e da segurança jurídica das soluções; os princípios, não tendo por natureza as virtudes das regras, têm justamente as virtudes que as regras não têm: são equitativos e são proporcionais. VII – A principal razão invocada na jurisprudência constitucional para a caracterização da proibição consti­ tucional da retroatividade em matéria fiscal como uma regra é a de que foi essa a opção do legislador de revisão quando, em 1997, decidiu alterar o texto constitucional nesse sentido, pelo que, tendo em conta a legitimidade política reforçada do legislador de revisão, assente sobretudo na maioria quali­ ficada necessária para alterar o texto constitucional, essa opção deve ser respeitada; este argumento contém duas fragilidades: por um lado, retira-se da occasio legis da alteração constitucional e das inten­ ções do legislador de revisão mais do que estas objetivamente justificam; por outro lado, a ideia de que o legislador de revisão constitucional tem uma legitimidade política acrescida, traduz uma conceção excessivamente formal do princípio democrático. VIII – Outra razão, aflorada no Acórdão n.º 617/12, para reconhecer à proibição constitucional da retroativi­ dade em matéria fiscal o carácter de uma regra, prende-se com o valor da segurança jurídica; porém, a segurança jurídica dos contribuintes – e a proteção da sua confiança na calculabilidade da vida tributária a partir do conhecimento da legislação –, deve ser assegurada na estrita medida em que o seu valor pre­ valeça sobre outros valores ou fins que a ordem constitucional confia à lei fiscal, não podendo o valor da segurança jurídica ser fundamento da tutela da segurança jurídica aí onde ela não mais se justifica. IX – O único caminho para evitar semelhante conclusão – obviamente insustentável –, passa pela noção de que, através da consagração de uma regra de proibição da retroatividade em matéria fiscal, se procurou corrigir a tendência jurisprudencial anterior à revisão de 1997 no sentido de uma tutela deficitária da

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=