TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

407 acórdão n.º 171/17 segurança jurídica neste domínio; contudo, a procedência do argumento depende da premissa, que reputamos de falsa, segundo a qual a proibição da retroatividade fiscal através de uma regra reforça a segurança jurídica dos contribuintes, nomeadamente quando comparada com um princípio com o mesmo conteúdo. X – Ora, em primeiro lugar, na delimitação do conceito de retroatividade da lei fiscal, o Tribunal Consti­ tucional tem-se socorrido, ainda que implicitamente, dos métodos de concretização da Constituição que a suposta consagração de uma regra neste domínio se destinava justamente a excluir; em segundo lugar, ao delimitar o âmbito de aplicação do n.º 3 do artigo 103.º a partir da distinção entre retroativi­ dade autêntica e inautêntica, a jurisprudência constitucional permite que medidas tributárias de efeito equivalente e com idêntica onerosidade para o contribuinte sejam julgadas à luz da regra da proibição da retroatividade fiscal (tendencialmente absoluta) ou do princípio da proteção da confiança (sob reserva de ponderação), consoante a forma jurídica livremente eleita pelo legislador para as consagrar. XI – A afirmação de um princípio de proibição da retroatividade fiscal, tributário do princípio da proteção da confiança, não representa qualquer sacrifício de legitimidade política ou de segurança jurídica. Por outro lado, é virtude dos princípios serem equitativos, o que significa, no domínio fiscal, que as leis retroativas que agravam os encargos dos contribuintes são censuráveis apenas na medida em que a confiança dos cidadãos na estabilidade do regime tributário seja legítima; para além de equitativos os princípios são proporcionais, o que implica a necessidade de graduar a ofensa que o agravamento fiscal retroativo representa para a confiança legítima dos contribuintes e ponderar esse sacrifício com o peso concreto dos valores associados à modificação do quadro legal, sendo indispensável levar em linha de conta três aspetos: em primeiro lugar a natureza autêntica ou inautêntica da retroatividade fiscal, em segundo lugar, a da dimensão do agravamento fiscal, por último, os efeitos do agravamento na reversibilidade dos planos económicos do contribuinte. XII – O sacrifício da confiança legítima tem de ser ponderado, no caso de cada medida concreta, com even­ tuais razões de equidade tributária, justiça social ou interesse público – todos valores constitucionais de máxima intensidade – subjacentes à lei; nos termos de um princípio de não retroatividade da lei fiscal, a confiança dos contribuintes é protegida na exata medida do seu valor relativo – nem mais, nem menos –, como é próprio de um Estado de direito vinculado à proibição do excesso. XIII – Do exposto decorre que o n.º 3 do artigo 103.º da Constituição deve ser interpretado como estabele­ cendo um princípio de não-retroatividade da lei fiscal, devendo lançar-se mão, neste caso, do método de ponderação que tem sido reservado para os casos de retroatividade dita inautêntica, que consiste essencialmente na aplicação do princípio da proteção da confiança. XIV– A questão que se coloca neste processo é a de saber se o agravamento da taxa de tributação autónoma aplicável aos encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos constitui uma lesão excessiva da confiança dos contribuintes que realizaram despesas desse tipo no período que decorreu entre a data de produção de efeitos do novo regime (1 de janeiro de 2008) e a data da entrada em vigor da lei que o estabelece (6 de dezembro de 2008), a qual se desdobra em duas outras de âmbito mais restrito: a questão de saber se a confiança que os contribuintes investiram no regime vigente à data em que realizaram as despesas é digna de tutela e, sendo a confiança digna de tutela, saber se a lesão dessa confiança terá sido excessiva, atendendo às finalidades prosseguidas pela lei.

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