TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

408 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XV – Quanto à questão de saber se a confiança dos contribuintes que realizaram despesas ao abrigo do regime antigo é digna de tutela, embora os agravamentos fiscais em causa digam respeito a encargos dedutíveis, que se consideram serem as despesas «comprovadamente indispensáveis» à formação do rendimento, não há qualquer contradição entre a afirmação da natureza indispensável de uma despesa para a formação do rendimento – condição da sua dedutibilidade no IRC – e a afirmação de que o regime tributário vigente no momento em que a despesa foi realizada foi determinante desse facto; além disso, o novo regime de tributação autónoma de despesas com viaturas ligeiras e mistas, con­ templa taxas de imposto diversas para o caso geral e o caso especial de viaturas com características que as tornam menos prejudiciais para o ambiente, sendo claro que os incentivos fiscais criados por esse regime não aproveitaram aos contribuintes que realizaram encargos com viaturas antes da sua entrada em vigor, seguramente convencidos, com base na lei então em vigor, de que nenhuma vantagem daí retirariam; essa circunstância reforça a dignidade da confiança investida na lei antiga. XVI – Quanto à questão de saber se a lesão da confiança terá sido excessiva, atendendo ao facto de que as tributações autónomas se distinguem da generalidade dos impostos por se destinarem a desincentivar a prática de atos de despesa que o legislador presume desnecessários, e sendo manifestamente impossível orientar condutas retroativamente, nada na lógica da intervenção legislativa justifica que o regime mais oneroso estabelecido em dezembro se aplique às despesas realizadas nos meses anteriores do ano, sendo a única razão discernível para semelhante solução a necessidade de o Estado, na etapa finalíssima do ano orçamental, arrecadar receitas fiscais suplementares; ora, invocado nesses termos abstratos e utilitários, o interesse público não constitui evidentemente uma razão válida para que se frustrem as expectativas razoáveis dos cidadãos na estabilidade da sua vida tributária e na confiabilidade da lei fiscal; daí se conclui que a norma sindicada é inconstitucional, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, tributário do princípio da proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito. Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida a sociedade A., Ld.ª, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), da sentença daquele tribunal, de 19 de janeiro de 2016. 2. A recorrida, na qualidade de sociedade dominada de um grupo de sociedades tributadas no âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, impugnou judicialmente a autoliquidação de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (referido adiante pela sigla «IRC») incidente sobre o exercício de 2008, na parte relativa às tributações autónomas, contra a qual havia apresentado pedido de revisão oficiosa, indeferido por despacho da Diretora de Serviços do IRC. Na sentença recorrida, o tribunal a quo recusou, com fundamento na violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), a aplicação do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, nos termos do qual a alteração, consagrada no artigo 1.º-A desse diploma, do artigo 81.º,

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