TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

413 acórdão n.º 171/17 Esta exigência revela as preocupações do princípio da proteção da confiança dos cidadãos, também ele princípio estruturante do Estado de direito democrático, refletidas na vertente do princípio da legalidade, segundo o qual, a lei, numa atitude de lealdade com os seus destinatários, só deve reger para o futuro, só assim se garantindo uma relação íntegra e leal entre o cidadão e o Estado. É neste sentido que deve ser entendida a opção do legislador constituinte de, na revisão constitucional de 1997, consagrar no artigo 103.º, n.º 3, a regra da proibição da retroatividade da lei fiscal desfavorável. Com esta alteração constitucional não se visou explicitar uma simples refração do princípio geral da proteção da confiança dos cidadãos, inerente a toda a atividade do Estado de direito democrático, mas sim expressar uma regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadoras de impostos, prevenindo, assim, a existência de um perigo abstrato de grave violação daquela confiança. O Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento que esta proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em rela­ ção a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei ( v. g. Acórdãos n. os  128/09, 85/10 e 399/10, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Tecidas estas considerações, vejamos se a norma aqui sindicada viola o princípio da proibição da retroativi­ dade da lei fiscal desfavorável, consagrado na Constituição. Para isso, importa que se proceda, previamente, a uma breve análise do tipo tributação a que respeitam as normas em causa nos autos, ou seja, a tributação autónoma em IRC. 3. Há que recuar ao ano de 1990 para encontrarmos a primeira intervenção do legislador no sentido de sujeitar determinadas despesas a tributação autónoma, ocorrida com a publicação do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, cujo artigo 4.º previa que «as despesas confidenciais ou não documentadas efetuadas no âmbito do exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respetivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.» Esta norma foi objeto de diversas alterações posteriores que, sucessivamente, procederam ao aumento da taxa de tributação nela prevista. Assim, a referida taxa começou por ser de 10% na versão originária do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, tendo passado para 25% com a Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 1995 (cfr. artigo 29.º da Lei n.º 3-B/94, de 27 de dezembro), foi elevada para 30% (ou, no caso de as despesas serem efetuadas por sujeitos passivos de IRC, total ou parcialmente isentos ou que não exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, para 40%) com a Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 1997 (cfr. artigo 31.º, da Lei n.º 52-C/96, de 27 de dezembro), taxas estas que foram ainda aumentadas, respetivamente, para 32% e 60%, com a Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 1999 (cfr. artigo 31.º, da Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro). Posteriormente, com a “Reforma da tributação do rendimento”, aprovada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, foi revogado o Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, e aditou-se ao Código de IRC o artigo 69.º-A (atual artigo 81.º) e ao Código do IRS o artigo 75.º-A (atual artigo 73.º), através dos quais, para além de se prever, a exemplo do que já acontecia com o referido Decreto-Lei 192/90, de 9 de junho, a tributação autónoma das despesas não documentadas, estendeu-se tal tributação em IRS e IRC às despesas de represen­ tação e às despesas com viaturas. Assim, no que respeita ao IRC, e conforme já referido, o artigo 81.º, n.º 3, do CIRC, na redação dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, alterada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, determinava, na parte que ora releva, que eram tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a

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