TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017
416 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL preventiva, que já se encontre em vigor a lei que prevê a criação ou o agravamento desse imposto, de modo a que o cidadão possa equacionar as consequências fiscais do seu comportamento. Uma vez que a alteração efetuada ao artigo 83.º, n.º 3, do CIRC, através da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, veio aumentar a taxa de tributação autónoma aplicável a despesas de representação e com viaturas, agravando a situação dos contribuintes abrangidos, estava-lhe vedada uma eficácia retroativa. Contudo, como vimos, embora a referida Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, tenha entrado em vigor em 6 de dezembro de 2008, o seu artigo 5.º, n.º 1, determinou que tal alteração produzia efeitos a partir de 1 de janeiro de 2008. Ora, tendo já ocorrido o facto que deu origem à obrigação tributária posteriormente agravada por lei nova, as razões que presidiram à consagração da regra de proibição da retroatividade neste domínio estão inte gralmente presentes, uma vez que importa prevenir o risco abstrato de que a lei publicada com retroação de efeitos provoque agravos financeiros desrazoáveis, pela impossibilidade em que se encontravam os contribuin tes afetados, vinculados a tais factos já ocorridos, de prever e prover quanto às suas consequências tributárias, determinadas por lei futura. Assim, não pode a lei, sob pena de violação da proibição imposta no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, agravar o valor da taxa de tributação autónoma, relativamente a despesas já efetuadas aquando da sua entrada em vigor, pelo que, tendo a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, determinado a retroação de efeitos a 1 de janeiro de 2008 da alteração do artigo 81.º, n.º 3, do CIRC, violou a referida proibição constitucional.” Na verdade, embora a tributação de determinados encargos esteja formalmente inserida no Código do IRC e o respetivo montante seja liquidado no âmbito daquele imposto, tal tributação é uma imposição fiscal materialmente distinta da tributação em IRC. Enquanto aquela incide, excecionalmente, sobre a realização de determinadas despesas, a última incide sobre determinados rendimentos, funcionando apenas como elo entre elas a circunstância dessas despesas serem dedutíveis no apuramento destes rendimentos, visando-se com a cria ção daquele imposto reduzir a vantagem fiscal resultante da dedução desses custos. Mas a existência do imposto aqui em análise em nada influi no montante do IRC, atuando de forma perfeitamente autónoma relativamente a este, pelo que o seu funcionamento deve ser encarado somente segundo os elementos que o caracterizam. Assim, esgotando-se o facto tributário que dá origem a esta tributação autónoma, no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação, embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha apenas a efetuar no fim de um determinado período tributário, a aplicação de um agravamento da respetiva taxa, relativamente a encargos ocorridos previamente à entrada em vigor da nova lei que prevê esse agravamento, corresponde a uma aplicação de lei nova a um facto tributário anterior, verificando-se uma situação de retroatividade autên tica proibida pelo artigo 103.º, n.º 3, da Constituição….” (…). Ora, tendo o acórdão recorrido sufragado a argumentação que acaba de ser exposta e não se vislumbrando novos fundamentos que imponham decisão de sentido diverso, deve a norma em causa ser julgada inconstitucio nal, mantendo-se, consequentemente, a decisão recorrida.» 10. O argumento que conduziu o Tribunal ao juízo de inconstitucionalidade da norma contida no seg mento aqui relevante do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, assenta em três premissas fundamentais. Em primeiro lugar, entendeu o Tribunal que o n.º 3 do artigo 103.º da Constituição estabelece uma «regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadoras de impostos», pelo que a consagração no texto constitucional da proibição da retroatividade fiscal, operada pela revi são constitucional de 1997, não «visou explicitar uma simples refração do princípio geral da proteção da
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=