TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

417 acórdão n.º 171/17 confiança dos cidadãos»; decorre deste entendimento que as leis fiscais retroativas, na medida em que onerem os contribuintes, são ipso facto inconstitucionais. Em segundo lugar, restringiu-se o âmbito da proibição da retroatividade fiscal ao domínio da chamada retroatividade autêntica, definida esta como a aplicação de lei nova que agrava os encargos fiscais dos con­ tribuintes a factos tributários que ocorreram integralmente antes da sua entrada em vigor. Fora do âmbito de aplicação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, situam-se, pois, os casos de retroatividade dita inau­ têntica, em que a lei nova, mais onerosa para os contribuintes, se aplica a factos tributários em formação no momento da sua entrada em vigor; em tais casos, a eventual censura constitucional que a lei mereça deverá decorrer do seu confronto direto com o princípio da proteção da confiança. Em terceiro lugar, distinguem-se impostos periódicos de impostos de obrigação única; aqueles consti­ tuem-se através de factos tributários de formação contínua ou de trato sucessivo, e renovam-se periodica­ mente – é o caso do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e do IRC, que se reportam ao rendimento anual –, ao passo que os impostos de obrigação única se constituem através de factos instan­ tâneos ou isolados no tempo – é o caso do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) ou do Imposto Muni­ cipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT), que incidem sobre operações avulsas. Destes conceitos deduz-se que os casos de retroatividade inautêntica se cingem ao universo dos impostos periódicos, porque apenas estes dizem respeito a factos tributários que se prolongam no tempo, podendo o período entre os seus termos inicial e final decorrer sob a vigência de mais do que uma lei. A estas premissas fundamentais acrescentou o Tribunal uma premissa adicional que lhe permitiu com­ por o argumento em que se baseia o seu juízo de inconstitucionalidade: os «tributos autónomos» estabele­ cidos no artigo 81.º do CIRC (artigo 88.º, na versão em vigor desse diploma) – designadamente aqueles que incidem sobre encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos –, constituem impostos de obrigação única. Com efeito, apesar de inseridos no CIRC, um diploma que diz respeito à tributação do rendimento das pessoas coletivas, e de a sua liquidação ocorrer no termo de um período tributário, estes tributos autónomos incidem sobre operações avulsas – cada ato de despesa subsumível numa das categorias contempladas pela lei –, sendo o montante do imposto a pagar pelo contribuinte determinado pela aplicação de uma taxa fixa ao volume de despesas realizadas no decurso do período abrangido pelo ato de liquidação. Tanto é assim que, ao contrário do que sucede com os impostos sobre o rendimento, é indiferente para a determinação da matéria coletável e da taxa aplicável que a liquidação seja feita no termo de períodos mais ou menos longos; o facto tributário que constitui a relação jurídica entre o contribuinte e a Administração Fiscal é o ato instantâneo de realização da despesa, e é apenas por razões de conveniência administrativa que a liquidação e a cobrança do imposto seguem os termos previstos para o IRC. Tendo a alteração legislativa ao regime dos tributos autónomos, operada pela Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, agravado as taxas de imposto sobre determinado tipo de despesas, e estabelecendo o artigo 5.º, n.º 1, desse diploma, que o novo regime é aplicável a despesas realizadas antes da sua entrada em vigor, entendeu o Tribunal que se estava perante um caso de retroatividade fiscal abrangido pelo artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. Isto porque – como se viu –, os tributos autónomos são impostos de obrigação única, e relativamente a estes a retroatividade da lei fiscal é necessariamente autêntica. Ora – concluiu o Tribunal –, proibindo a Constituição, em termos absolutos, a retroatividade autêntica da lei fiscal, a norma sob aprecia­ ção é inconstitucional. 11. A conclusão a que o Tribunal chegou no Acórdão n.º 85/13 – e na jurisprudência anterior na qual aquele largamente se baseia –, é essencialmente correta e deve ser reiterada. Não se segue, porém, todo o itinerário argumentativo percorrido nesses arestos. Em particular, não merecem adesão a primeira e a segunda premissas do argumento: (i) a de que o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, encerra uma proibição absoluta da retroatividade emmatéria fiscal; e (ii) a de que o âmbito de aplicação da proibição constitucional da retroatividade fiscal se con­ tém nos limites da retroatividade autêntica. Em suma, em causa está o entendimento segundo o qual a garantia

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