TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

418 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL constitucional contra a retroatividade da lei fiscal é simultaneamente de âmbito restrito – porque confinada ao domínio da retroatividade autêntica, – e de carácter absoluto – porque exclui a graduação da ofensa concreta que o encargo fiscal retroativo representa para o princípio da proteção da confiança e a ponderação desse sacrifício com eventuais razões de justiça tributária ou de interesse público nas quais aquele possa encontrar justificação. 12. O artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, estabelece a proibição da retroatividade fiscal nos seguintes termos: Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos… que tenham natureza retroativa. A questão que se coloca é a de saber se este preceito deve ser interpretado como consagrando uma regra ou um princípio de proibição da retroatividade em matéria fiscal, entendidos estes termos – «regra» e «prin­ cípio» – no sentido mais ou menos técnico que crescentemente lhes tem sido atribuído na doutrina e na jurisprudência constitucionais europeias desde o último quartel do século passado. A distinção traduz-se, essencialmente, no seguinte. Se uma norma tem a natureza de regra, a sua lógica de aplicação é basicamente mecânica ou, segundo uma imagem disseminada, de «tudo ou nada»; quer isto dizer que, verificados os respetivos pressupostos, a regra dispõe sobre o caso em termos definitivos. Se uma norma tem a natureza de princípio, por outro lado, a sua lógica de aplicação é basicamente valorativa ou, como é comum dizer-se, implica um juízo de ponderação; verificados os pressupostos da aplicação de um princípio, este conta como uma razão prima facie para a decisão, sendo o sentido desta determinado pelo «peso relativo» dos princípios que nela concorram. Aplicando estes conceitos à proibição da retroatividade em matéria fiscal, temos que ou esta determina a proibição definitiva da imposição retroativa de encargos fis­ cais – caso em que será uma regra –, ou estabelece apenas uma razão prima facie para a censura constitucional de semelhantes encargos –, caso em que será um princípio. Importa não exagerar os termos desta distinção. Apesar de nos Acórdãos n. os 617/12 e 85/13 se afirmar peremptoriamente que a proibição da retroatividade em matéria fiscal constitui uma «regra absoluta», as regras nunca são absolutas, mesmo que o seu âmbito de aplicação não seja limitado por cláusulas de exceção. Com efeito, em circunstâncias excecionais, em que é muito elevado e evidente o peso das razões para a não aplicação da regra, admite-se o recurso à chamada redução teleológica, que consiste na operação simétrica à aplicação analógica de uma norma. Nesses casos, por natureza excecionais, justifica-se precisamente aquilo que, em princípio, é contrário ao direito consubstanciado em regras: que o aplicador recuse a solução aco­ lhida na regra e a substitua pela ponderação dos valores ou princípios relevantes nas circunstâncias. É nesse sentido que a vinculação dos poderes públicos a uma regra constitucional que proíba a retroatividade fiscal poderá admitir exceções em situações de guerra ou calamidade pública. Por outro lado, os princípios não encerram meras aspirações programáticas ou proclamações simbólicas, mas verdadeiras normas jurídicas. O seu sentido é o de que devem ser aplicados a todos os casos sobre os quais dispõem, sob reserva de ponderação com outros princípios que possam aplicar-se ao caso. A vinculação dos poderes públicos a um princípio constitucional de proibição da retroatividade em matéria fiscal implica que, prima facie , uma norma fiscal retroativa que agrave os encargos tributários dos seus destinatários é inconstitucional. Na verdade, a ofensa ao princípio da proteção da confiança que a retroatividade sempre importa evitará censura constitucional apenas naquelas circunstâncias em que o peso concreto de princípios de sentido contrário o justificar. É neste quadro que se deverão distinguir, por exemplo, os casos em que a retroatividade fiscal é um expediente para corrigir atrasos na aprovação de legislação fiscal que se devem à incúria do legislador ou para contrariar a má execução orçamental pelas administrações públicas – casos que não merecem qualquer tolerância constitucional –, dos casos em que as normas fiscais retroativas cumprem imperativos de equidade tributária, nomeadamente através do combate à fraude e evasão fiscal, de justiça social ou de interesse público – situações em que se justifica, pelo menos, abrir espaço para a graduação e ponderação das razões subjacentes à intervenção do legislador.

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