TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

419 acórdão n.º 171/17 13. Deve notar-se que a distinção entre regras e princípios é de natureza lógica – diz respeito às pro­ priedades de duas espécies do género norma –, pelo que nada adianta quanto à questão de saber se a norma contida em certo(s) preceito(s) é de uma ou da outra espécie. Essa é uma questão de interpretação. Casos há em que a qualificação de uma norma como regra ou princípio é evidente, por razões que são simultaneamente de ordem literal e lógica. Ninguém duvida, por exemplo, que o artigo 27.º, n.º 1, do Código da Estrada, que dispõe sobre os «limites gerais de velocidade», consagra regras; ou que o artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo, que consagra os princípios da justiça e da razoabilidade nas relações entre a Administração Púbica e os cidadãos, consagra princípios. Qualquer interpretação diversa desses preceitos, no sentido de que os limites de velocidade na estrada são apenas vinculativos prima facie ou de que os deveres de justiça e razoabilidade da Administração Pública são tendencialmente absolutos, seria inconciliável com a letra dos preceitos e conduziria a resultados sistematicamente absurdos. Porém, no que particularmente diz respeito ao artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, não se vislumbram quaisquer obstáculos, literais ou lógicos, à caracterização da proibição da retroatividade em matéria fiscal como regra ou princípio. O modo como essas alternativas foram ilustradas no ponto anterior demonstra claramente a viabilidade lógica de ambas as possibilidades e nada na letra do preceito indica que se esteja necessariamente na presença de uma ou da outra. Para determinar se a proibição constitucional da retroatividade em matéria fiscal constitui uma regra ou um princípio, é necessário considerar as principais virtudes de cada um desses tipos normativos, e ponderá-las segundo os métodos próprios da interpretação constitucional, forjados para o contexto singularíssimo de uma lei – a Constituição – diferente das leis ordinárias em função da sua natureza de Lei Fundamental, superior, rígida, duradoira, aberta e irradiante. Ora, que virtudes vêm a ser essas? As regras têm essencialmente as virtudes da legitimidade política e da segurança jurídica das soluções. A primeira na medida em que a autoridade de que emanam tenha maior legitimidade democrática do que a das autoridades encarregadas da sua aplicação; no contexto mais comum – o da vinculação dos poderes executivo e judicial à legalidade – esta virtude democrática releva da legitimidade acrescida do legislador para fazer as ponderações subjacentes às regras que decretou. Se o aplicador do direito pudesse reabrir ad nutum a questão de ponderação à qual o legislador procurou dar resposta, a autoridade deste – e, nessa exata medida, a legitimidade democrática da ordem jurídica – seria irremediavelmente comprometida. A segurança jurídica, por outro lado, resulta da circunstância de as regras orientarem com grau relativa­ mente elevado de precisão a conduta dos seus destinatários, em função da delimitação dos seus pressupostos e do carácter quase definitivo das suas consequências; uma vez mais no contexto da legalidade ordinária, esta virtude revela-se nas vantagens preciosas que os cidadãos retiram da previsibilidade das consequências jurídicas dos seus comportamentos e dos de terceiros. Se o aplicador do direito pudesse reabrir ad nutum a questão de ponderação à qual o legislador procurou dar resposta, a confiança dos cidadãos nas leis – e, nessa exata medida, a segurança jurídica da vida em sociedade – seria fatalmente esboroada. Está claro que os princípios, não tendo por natureza as virtudes das regras, têm justamente as virtudes que as regras não têm. Por um lado, os princípios são equitativos. Exprimindo-se através de conceitos axiológicos e teleológi­ cos (e.g., proteção da confiança), aplicam-se apenas nos casos em que os valores ou finalidades que neles se traduzem o justificam. Pelo contrário, as regras, expressando-se normalmente através de conceitos empíricos ou técnicos (e.g., retroatividade autêntica), aplicam-se por excesso ou por defeito às situações – inevitáveis – em que se não verifique plena correspondência entre a extensão dos seus conceitos e a relevância dos valo­ res ou finalidades que lhes subjazem. Será esse o caso, por exemplo, quando a proibição da retroatividade autêntica em matéria fiscal aproveitar a contribuintes que exploraram lacunas evidentes no regime anterior

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