TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

420 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL para evitarem pagar impostos – e cuja confiança na prospectividade da lei fiscal é, por essa razão, indigna de tutela jurídica. Por outro lado, os princípios são proporcionais. Pela sua natureza de razões prima facie , os princípios são abertos à ponderação com outros princípios que, nas circunstâncias relevantes, apontem para decisões de sentido contrário. Um princípio aplica-se a um caso na estrita medida em que o seu peso ou força ultrapasse, isoladamente ou em conjunto com outros princípios, o peso ou a força dos princípios que com ele colidam. Já as regras aplicam-se – com a aludida ressalva de casos excecionais – ainda que a força relativa dos valores ou fins que lhes subjazem o não justifique. Daí decorre que, ao passo que os princípios têm a força jurídica exatamente proporcional ao seu peso axiológico, as regras promovem de forma inevitavelmente excessiva os valores ou fins que lhes subjazem. 14. A principal razão invocada na jurisprudência constitucional para a caracterização da proibição cons­ titucional da retroatividade em matéria fiscal como uma regra é a de que foi essa a opção do legislador de revisão quando, em 1997, decidiu alterar o texto constitucional nesse sentido. Como vimos, no Acórdão n.º 617/12, cuja fundamentação é reproduzida no Acórdão n.º 85/13, afirma-se que «[c]om esta alteração não se visou explicitar uma simples refração do princípio da proteção da confiança dos cidadãos, inerente a toda a atividade do Estado de direito democrático, mas sim expressar uma regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadores de impostos…». No Acórdão n.º 128/09, o Tribunal justificou esta proposição em termos substancialmente mais desenvolvidos: «As decisões do Tribunal, até 1997, assentavam no seguinte argumento: uma lei fiscal seria inconstitucional (por violação do princípio da confiança) apenas quando imposta a retroatividade em “termos que choquem a consciência jurídica e frustrem as expectativas fundadas dos contribuintes”. Desenvolvendo este critério, disse o Tribunal que a retroatividade das leis fiscais seria constitucionalmente legítima sempre que não ferisse “de forma inadmissível ou intolerável, a certeza e a confiança na ordem jurídica dos cidadãos por ela afetados; ou que não trai[sse], de forma arbitrária e injustificada, as expectativas juridicamente tuteladas e criadas na esfera jurídica dos cidadãos ao abrigo das disposições vigentes à data da ocorrência dos factos que as geraram”. [Cfr. neste sentido, e por exemplo, o Parecer da Comissão Constitucional n.º 25/81, em Pareceres da Comissão Constitucional, 16.º Vol., p.257; o Parecer n.º 14/82, em Pareceres (...), 19.º Vol, p. 183; o Acórdão do Tribunal n.º 11/83, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1.º Vol. p. 11; o Acórdão n.º 141/85, em Acórdãos (…), 6.º Vol., p. 39; e ainda os Acór­ dãos n. os 409/89, 216/90, 410/95 e 1006/96, todos disponíveis e m www.tribunalconstitucional.pt ] Estes critérios, de natureza necessariamente fluida, levaram a que, em diversos arestos, o Tribunal viesse dar como boas leis fiscais retroativas. Foi o que sucedeu, por exemplo, nos Acórdãos n.º 11/83 e 66/84 (este último em Acórdãos, 4.º Vol. p. 35) e ainda nos Acórdãos n. os 67/91, 1006/96, 1204/96 e 416/02 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Noutros casos, ao invés, o Tribunal entendeu que, por inexistirem razões de inte­ resse público que prevalecessem sobre o valor da segurança jurídica, as normas retroativas seriam intoleráveis e, consequentemente, constitucionalmente ilegítimas (Cfr., por exemplo, os Acórdão n. os 409/89, 216/90, 410/95 e 185/00, também disponíveis no mesmo lugar). Uma vez expresso no texto da Constituição a proibição da retroatividade em matéria fiscal, o Tribunal pas­ sou a ler esta proibição já não numa dimensão subjetiva (dependendo, em concreto, do contexto dos sujeitos da relação tributária resultante da aplicação da lei) mas antes numa dimensão objetiva. Diz o Tribunal, a este propó­ sito, que à proibição expressa da retroatividade da lei fiscal “não pode deixar de estar ínsita uma garantia forte de objetividade e auto-vinculação do Estado pelo Direito” (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/00, in www.tribunalconstitucional.pt ) Quer isto dizer que, atualmente, e consagrado que está o princípio geral de irretroatividade da lei fiscal, a mera natureza retroativa de uma lei fiscal desvantajosa para os particulares é sancionada, de forma automática, pela Constituição, qualquer que tenha sido, em concreto, a conduta da administração fiscal ou do particular tributado.

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