TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

421 acórdão n.º 171/17 Por outras palavras, o juízo de inconstitucionalidade decorre apenas da mera análise dos dados normativos, não dependendo, em nenhum momento, da averiguação de quaisquer elementos circunstanciais que resultem da con­ dição, em concreto, de uma certa relação jurídico-tributária.» Pese embora os arestos citados o não articulem integralmente, o argumento em que o Tribunal se apoia é o seguinte. A proibição da retroatividade fiscal foi consagrada no texto constitucional pelo legislador de revisão com o propósito de contrariar a tolerância, revelada pela jurisprudência anterior da Comissão Cons­ titucional e do Tribunal Constitucional, em relação a uma prática mais ou menos generalizada de aprovação de legislação fiscal retroativa. Baseando-se essa jurisprudência na concretização do princípio da proteção da confiança, não pode ter sido desiderato do legislador de revisão limitar-se a extrair um corolário ou explicitar uma refração desse princípio – o desvalor da retroatividade fiscal; o seu propósito terá antes sido o de vincular o legislador ordinário e a jurisdição constitucional a uma proibição tendencialmente absoluta da imposição retroativa de encargos fiscais. Ora, tendo em conta a legitimidade política reforçada do legislador de revisão, assente sobretudo na maioria qualificada necessária para alterar o texto constitucional, essa opção deve ser respeitada. Este argumento contém duas fragilidades. Por um lado, retira-se da occasio legis da alteração constitu­ cional e das intenções do legislador de revisão mais do que estas objetivamente justificam. Do facto de se ter procurado, através da consagração constitucional expressa da proibição da retroatividade em matéria fiscal, contrariar a excessiva liberalidade de uma jurisprudência que admitia censurar leis fiscais retroativas apenas quando estas «choquem a consciência jurídica e frustrem as expectativas fundadas dos contribuintes» ou ofendam «de forma inadmissível ou intolerável, a certeza e a confiança na ordem jurídica dos cidadãos por ela afetados», não se segue que, através da revisão de 1997, se tenha pretendido consagrar uma regra de proi­ bição, tendencialmente absoluta, neste domínio. O problema que essa jurisprudência criava situava-se no facto de ela não admitir sequer a existência de um princípio de proibição da retroatividade em matéria fiscal, o mesmo é dizer, a inconstitucionalidade prima facie de encargos fiscais retroativos. O que nela se estabeleceu foi a ideia de que a legislação fiscal retroativa, por princípio constitucionalmente admissível, encontra um limite nos casos, por natureza excecionais, em que consubstancie uma ofensa grave ou chocante ao princípio da proteção da confiança. Ora, a mera consagração de uma proibição de princípio da retroatividade fiscal – quer dizer: a mera explicitação de que o princípio da proteção da confiança implica a censura prima facie de encargos fiscais retroativos – assegura plenamente o desiderato de contrariar essa tendência jurisprudencial. Uma vez estabelecido tal princípio, as leis fiscais retroativas só podem sobreviver ao crivo de constitucionali­ dade se o desvalor que lhes é inerente for compensado, na ordem de valores constitucional, pelas finalidades que prossigam. Por outro lado, a ideia de que o legislador de revisão constitucional tem uma legitimidade política acrescida, em relação ao legislador ordinário, para fazer as ponderações entre os princípios que relevam neste domínio, traduz uma conceção excessivamente formal do princípio democrático, assente na comparação entre as grandezas aritméticas e outras circunstâncias exigidas para a aprovação de diferentes atos legislativos. Ora, se é certo que a maioria de revisão constitucional é mais expressiva do que a maioria no processo político ordinário, não é menos certo que a rigidez e a longevidade da Constituição implicam que o juízo de uma maioria qualificada conjuntural vincula uma sequência potencialmente infinita de maiorias simples futuras. Por outras palavras, uma vez acolhida determinada solução no texto constitucional, as gerações políticas futuras ficarão vinculadas a respeitá-la, ainda que essa opção seja reiteradamente repudiada por maiorias dos seus representantes aquém das necessárias para rever a Constituição. Interpretar o texto constitucional nesses termos, quando está em aberto a questão de saber se a norma nele consagrada é uma regra (tendencialmente absoluta) ou um princípio (sob reserva de ponderação), num domínio em que não há necessidade alguma de a Constituição estabelecer regras, expõe a ordem constitucio­ nal aos défices de legitimidade expressos através dos conhecidos paradoxos intergeracional (a submissão das

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