TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

422 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL gerações presentes às escolhas das gerações passadas) e democrático (o governo da maioria presente por uma minoria de bloqueio). Repare-se ainda que, nesses domínios em que não é necessário a Constituição estabe­ lecer regras, as alternativas possíveis não se esgotam na vinculação definitiva das maiorias futuras, concreti­ zada através de proibições tendencialmente absolutas, ou na sua liberdade ilimitada de decisão, justificada no silêncio constitucional. Entre esses extremos encontra-se a hipótese da limitação do legislador através de princípios, por natureza abertos a ponderação, cuja força normativa é assegurada por uma jurisdição consti­ tucional independente. 15. Outra razão, aflorada no Acórdão n.º 617/12, para reconhecer à proibição constitucional da retroa­ tividade em matéria fiscal o carácter de uma regra, prende-se com o valor da segurança jurídica: «[P]ara que o Estado possa cobrar um imposto ele terá de ser previamente aprovado pelos representantes do povo e terá que estar perfeitamente determinado em lei geral e abstrata, só assim se evitando que esse poder possa ser exercido de forma abusiva e arbitrária, indigna de um verdadeiro Estado de direito. Por outro lado, o mesmo princípio da legalidade não poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha para o passado, com efeitos retroativos, prevendo a tributação de atos praticados quando ela ainda não existia, sob pena de se permitir que o Estado imponha determinadas consequências a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que os seus atores tivessem podido adequar a sua atuação de acordo com as novas regras.»  Importa começar por prevenir uma aproximação ao problema da retroatividade fiscal a partir do domí­ nio penal, da qual pode surgir a tentação de se retirar, por analogia, do imperativo nullum crimen sine lege praevia, um putativo nullum tributum sine lege praevia. Na verdade, deve sublinhar-se que o problema não se coloca da mesma forma nos dois domínios, não apenas em virtude da diferente intensidade ablativa das intervenções penal e tributária na esfera dos cidadãos, mas sobretudo porque, ao contrário do que sucede com as incriminações retroativas, geralmente absurdas, visto que através delas se procura cumprir o objetivo impossível de orientar condutas já praticadas, a tribu­ tação de factos passados é perfeitamente compatível com as finalidades de equidade tributária e de justiça social prosseguidas pela legislação fiscal. Assim é porque, ao invés da lei penal, que opera a título primário como um dissuasor de comportamentos desvaliosos – e não é possível evitar o passado –, a lei fiscal tem por finalidade precípua a distribuição equitativa dos encargos financeiros da vida coletiva. Com efeito, os impos­ tos não se dirigem, pelo menos na generalidade dos casos, a prevenir a ocorrência de factos tributários, mas a materializar o esforço contributivo proporcional à capacidade económica que eles revelam. Daí se conclui que, ao passo que a proibição da retroatividade penal é, antes de mais, e na generalidade dos casos, um impe­ rativo de ordem lógica, e é nessa exata medida um limite absoluto ao poder punitivo do Estado, a proibição da retroatividade fiscal exprime um juízo de valor: a atendibilidade jurídica do interesse dos cidadãos em planearem a sua vida económica (em sentido amplo) com uma noção precisa das implicações tributárias das escolhas que possam vir a fazer. Como vimos, a segurança jurídica é uma das virtudes das regras, dado o carácter quase definitivo das soluções que encerram. Uma regra de proibição constitucional da retroatividade em matéria fiscal terá, por isso, pelo menos em teoria, a virtude de garantir os cidadãos contra a possibilidade de serem onerados com impostos retroativos. Mas tal garantia não pode deixar de gerar alguma perplexidade. A segurança jurídica dos contribuintes – e a proteção da sua confiança na calculabilidade da vida tributária a partir do conhecimento da legislação –, deve ser assegurada na estrita medida em que o seu valor prevaleça sobre outros valores ou fins que a ordem constitucional confia à lei fiscal. Por outras palavras, a segurança jurídica em matéria fiscal deve ser salva­ guardada na proporção do seu valor relativo. O que daí se retira é um princípio de não retroatividade da lei fiscal, que reflete neste domínio o princípio mais geral da proteção da confiança, por seu turno radicado no

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