TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

425 acórdão n.º 171/17 variáveis – a reversibilidade dos planos económicos dos cidadãos –, relevantes para graduar a ofensa de um encargo fiscal retroativo ao princípio da proteção da confiança, como o faz em termos absolutos, que se tra­ duzem numa dicotomia entre duas categorias mutuamente excludentes e conjuntamente exaustivas de efeito retroativo. Ora, na graduação da lesão da confiança legítima, é indispensável levar em linha de conta três aspetos. Em primeiro lugar, como já se assinalou, a natureza autêntica ou inautêntica da retroatividade fiscal, nos ter­ mos acolhidos pela jurisprudência constitucional, depende até certo ponto, não das repercussões da medida tributária na vida dos contribuintes, mas da forma jurídica através da qual o legislador a consagrou; para evitar que se caia, neste domínio, na armadilha do formalismo, é necessário que se considere a substância e não a forma dos encargos fiscais. Em segundo lugar, tão relevante quanto a variável temporal, é a da dimen­ são do agravamento fiscal, o que se torna evidente se compararmos o encargo resultante de um aumento retroativo de meio ponto percentual no imposto sobre o rendimento do ano anterior com um aumento de cinco pontos percentuais incidente sobre o rendimento do ano em curso. Por último, a reversibilidade dos planos económicos varia em função, quer da margem de tempo que o contribuinte tem, quer da elasticidade dos seus investimentos, de modo que a retroatividade é uma variável contínua, o que se revela com clareza no facto de um aumento no imposto sobre o rendimento no último dia do ano, apesar de formalmente consti­ tuir um caso de retroatividade dita inautêntica, ser indistinguível nos seus efeitos de um aumento idêntico no primeiro dia do ano subsequente. De tudo isto resulta que a distinção entre retroatividade autêntica e inautêntica tem, na melhor das hipóteses, um valor heurístico, o de servir como uma etapa preliminar no exercício compósito de graduar a lesão da confiança legítima dos contribuintes. Por outro lado, nem todos os casos de retroatividade fiscal autêntica, mesmo abstraindo das imperfei­ ções desse conceito como critério de graduação da lesão da confiança, merecem reprovação constitucional. O sacrifício da confiança legítima tem de ser ponderado, no caso de cada medida concreta, com eventuais razões de equidade tributária, justiça social ou interesse público – todos valores constitucionais de máxima intensidade – subjacentes à lei. Nos termos de um princípio de não retroatividade da lei fiscal, a confiança dos contribuintes é protegida na exata medida do seu valor relativo – nem mais, nem menos –, como é pró­ prio de um Estado de direito vinculado à proibição do excesso. 17. Do exposto decorre que o n.º 3 do artigo 103.º da Constituição deve ser interpretado como esta­ belecendo um princípio – no sentido preciso que temos dado a essa expressão – de não-retroatividade da lei fiscal. Significa isto que se deverá lançar mão, neste caso, do método de ponderação que tem sido reservado para os casos de retroatividade dita inautêntica. Ora, tal método consiste essencialmente na aplicação do princípio da proteção da confiança, densificado na jurisprudência do Tribunal Constitucional nos seguintes termos (Acórdão n.º 128/09): «Para que [a confiança] seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:  a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente prote­ gidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição). Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos

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