TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

426 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justi­ ficadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.» A questão que se coloca neste processo – recorde-se – é a de saber se o agravamento da taxa de tributa­ ção autónoma aplicável aos encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos constitui uma lesão excessiva da confiança dos contribuintes, como é o caso da recorrida, que realizaram despesas desse tipo no período que decorreu entre a data de produção de efeitos do novo regime (1 de janeiro de 2008) e a data da entrada em vigor da lei que o estabelece (6 de dezembro de 2008). A questão desdobra-se em duas outras de âmbito mais restrito: (i) A confiança que os contribuintes investiram no regime vigente à data em que realizaram as despesas é digna de tutela? (ii) Sendo a confiança digna de tutela, terá a lesão dessa confiança sido excessiva, atendendo às finali­ dades prosseguidas pela lei? Vejamos. 18. Quanto à primeira questão – a de saber se a confiança dos contribuintes que realizaram despesas ao abrigo do regime antigo é digna de tutela –, pode levantar-se uma única dúvida. Os agravamentos fiscais introduzidos pela Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, no n.º 3 do artigo 81.º do CIRC (artigo 88.º, na versão em vigor desse diploma), dizem respeito a encargos dedutíveis, determi­ nando o artigo 23.º, n.º 1, que se consideram «gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora». Ora, se as despesas em causa são «comprovadamente indispensáveis» à formação do rendimento, razão pela qual a lei permite que sejam deduzidas, não parece que o contribuinte possa vir alegar que as não teria realizado se tivesse conhecimento antecipado dos agravamentos fiscais a que veio a encontrar-se sujeito. De acordo com esta linha de raciocínio, essas despesas ou eram realmente indispensáveis – caso em que o regime fiscal não pode ter sido determinante para a sua realização –, ou não eram indispensáveis – caso em que a confiança que o contribuinte investiu na lei em vigor no momento em que praticou o facto tributário não é, pelo menos presumivelmente, digna de tutela, porque terá servido um propósito fraudulento. Importa notar, porém, que tal argumento se baseia numa noção demasiado estreita de despesa indispen­ sável. Uma despesa é indispensável para a formação do rendimento no contexto de um determinado plano de negócios, cujo conteúdo é informado, entre muitas outras variáveis, por pressupostos fiscais. Se para uma certa empresa é indispensável adquirir meios de transporte, por exemplo, a escolha do tipo de transporte dependerá de uma comparação de custos e benefícios, no âmbito da qual relevam os custos fiscais. Acresce que uma determinada despesa pode ser indispensável para a formação do rendimento gerado num certo período, sem que seja indispensável para o negócio; assim será naqueles casos em que, considerada a inflação de custos em certas rubricas de despesa, seja mais vantajoso para a empresa reduzir o volume de produção. O que daqui se retira é que não há qualquer contradição entre a afirmação da natureza indispensável de uma despesa para a formação do rendimento – condição da sua dedutibilidade no IRC – e a afirmação de que o regime tributário vigente no momento em que a despesa foi realizada foi determinante desse facto. Além disso, importa notar que o novo regime de tributação autónoma de despesas com viaturas ligeiras e mistas, introduzido pela Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, contempla taxas de imposto diversas para o caso geral previsto na alínea a) (encargos tributados a uma taxa de 10%) e o caso especial, previsto na alínea b) , de

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