TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

427 acórdão n.º 171/17 viaturas com características que as tornam menos prejudiciais para o ambiente (encargos tributados a uma taxa de 5%). Está claro que os incentivos fiscais criados por esse regime não aproveitaram aos contribuintes que realizaram encargos com viaturas antes da sua entrada em vigor, seguramente convencidos, com base na lei então em vigor, de que nenhuma vantagem daí retirariam. Essa circunstância reforça a dignidade da confiança investida na lei antiga. 19. Obtida a resposta, de sentido positivo, à primeira questão, cabe agora considerar se a lesão da con­ fiança terá sido excessiva, atendendo às finalidades prosseguidas pela lei. A resposta não pode deixar de ser afirmativa. Sobre as finalidades da tributação autónoma de despesas no âmbito do IRC, agravada pela Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, escreveu-se no Acórdão n.º 617/12: «Com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a redu­ zirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social.» Estas finalidades são inequivocamente legítimas, mas não explicam de modo algum a razão de ser da eficácia retroativa do novo regime. Com efeito, atendendo ao facto de que as tributações autónomas se dis­ tinguem da generalidade dos impostos por se destinarem a desincentivar a prática de atos de despesa que o legislador presume desnecessários, e sendo manifestamente impossível orientar condutas retroativamente, nada na lógica da intervenção legislativa justifica que o regime mais oneroso estabelecido em dezembro se aplique às despesas realizadas nos meses anteriores do ano. A única razão discernível para semelhante solução é a necessidade de o Estado, na etapa finalíssima do ano orçamental, arrecadar receitas fiscais suplementares. Ora, invocado nesses termos abstratos e utilitários, o interesse público não constitui evidentemente uma razão válida para que se frustrem as expectativas razoáveis dos cidadãos na estabilidade da sua vida tributária e na confiabilidade da lei fiscal. Daí se conclui que a norma sindicada é inconstitucional, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal (artigo 103.º, n.º 3), tributário do princípio da proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito (artigo 2.º). 20. Tratando-se de recurso previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não há lugar ao paga­ mento de custas, nos termos do artigo 84.º, n.º 1, do mesmo diploma legal. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, no segmento em que faz retroagir a 1 de janeiro de 2008 a alteração, consagrada no artigo 1.º-A desse diploma, do artigo 81.º, n.º 3, alínea a) , do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. b) Negar provimento ao recurso. Sem custas, por não serem devidas.

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