TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

429 acórdão n.º 171/17 Para resolver a questão de saber se determinada norma contém uma regra ou um princípio, o peso da formulação seguida pelo legislador não é, por isso, nem irrelevante, nem subalternizável. No caso dos prin­ cípios, é o grau de “indeterminabilidade” ou “genericidade” (no sentido de inespecificidade) que acompanha tanto os pressupostos de aplicação como a respetiva estatuição que habilita o intérprete-aplicador a reconhe­ cer neles a abertura à ponderação e ao balanceamento à partida excluída pelo caráter prescritivo das regras (respetivamente, entre nós, sobre os critérios enunciados, cfr. David Duarte, “An Experimental Essay on the Antecedent and Its Formulation”, in  i-Lex: Rivista di Scienze Giuridiche, Scienze Cognitive ed Intelligenza Artificiale, 16, pp. 51 ss; e Pedro Moniz Lopes, Derrotabilidade Normativa e Normas Administrativas, disser- tação de Doutoramento apresentada à FDUL, policopiado, 2014, pp. 127 ss). Inversamente, no caso destas, é a natureza “determinada” ou “fechada” dos elementos que integram a respetiva previsão e o caráter imposi­ tivo da proibição ou permissão que nelas se contém que impele o intérprete-aplicador a discernir nelas uma vinculatividade mais intensa e, nessa medida, tendencialmente incompatível com níveis de concretização à partida graduáveis. Ora, é justamente este ponto de vista – o da estrutura da norma, tal como a editou o legislador consti­ tuinte – que a fundamentação seguida no acórdão desconsidera, fazendo-o de um modo que, a meu ver, não é possível ou, pelo menos, inteiramente legítimo: para resolver a questão de saber se a proibição da retroativi­ dade fiscal contida no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição tem a natureza de uma regra ou de um princípio, desatende-se ao grau de determinação e de precisão que caracterizam tanto a previsão como a estatuição da norma ali contida – “[n]inguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) que tenham natureza retroativa” –, sobrepondo-se-lhes um critério fundado nas vantagens que se entendem proporcionadas no caso por esta última categoria, ainda que em prejuízo da limitação da discricionariedade legislativa que a superior vincu­ latividade da regra assegura e, com isso, do estabelecimento direto de uma garantia efetiva para os cidadãos no domínio das leis fiscais retroativas. A segunda reserva prende-se com a desvalorização a que a construção seguida no acórdão acaba por sujeitar a intervenção do legislador constituinte, que introduziu a norma constante do n.º 3 do artigo 103.º do texto atual no âmbito da revisão constitucional de 1997. Ao flexibilizar a proibição de edição de leis fiscais retroativas em consequência da sua conversão em prin­ cípio e ao apontar, por essa via, para a sujeição de todos os casos de retroatividade da lei fiscal ao método de ponderação que a jurisprudência constitucional tem reservado para os casos de retroatividade inautêntica – isto é, à aplicação do princípio da proteção da confiança −, a construção seguida no acórdão acaba por negar sentido útil e valor paramétrico autónomo à norma constante do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, ficando, assim, por perceber o que é que esta acrescentará – se é que alguma coisa acrescenta – ao âmbito de proteção decorrente daquele princípio. É por duvidar de que tal acrescento, a existir, ocorra em medida e com significado suficientemente compatíveis com o enunciado constante do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, tal como o formulou o legislador constituinte, que, também deste segundo ponto de vista, me afasto da fundamentação seguida no acórdão. – Joana Fernandes Costa. DECLARAÇÃO DE VOTO Reconhecendo e louvando a qualidade académica da argumentação desenvolvida no Acórdão, não acompanho a fundamentação do mesmo e considero que os fundamentos aduzidos entram em contradição com aquilo que afinal se decidiu. A fundamentação exposta no Acórdão, no plano do direito constitucional, reduz a irretroatividade fis­ cal, consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, a letra morta, sem qualquer utilidade interpretativa

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